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MigraçãoÁfrica

UE pode condicionar ajuda à África ao combate à migração

Mimi Mefo Takambou
22 de julho de 2025

Documentos apontam que novas políticas linha-dura da UE podem levar à interrupção dos repasses à África caso países não impeçam travessia de migrantes rumo à Europa. Críticos dizem que postura é xoercitiva e neocolonial.

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Bote lotado de imigrantes negros que queriam migrar para a Europa é interceptado pela guarda costeira da Líbia; foto de 2018
Bote que transportava imigrantes negros rumo à Europa é interceptado na costa da Líbia (foto de 2018) Foto: picture-alliance/AP/Libyan Coast Guard

A Comissão Europeia, principal órgão executivo da União Europeia (UE), quer condicionar a ajuda financeira do bloco para o desenvolvimento da África ao alinhamento de países do continente com as políticas europeias de migração – a depender de como cada país controla suas fronteiras e coopera com a "devolução" pela Europa de imigrantes indesejados.

É o que sugerem documentos internos da UE citados pelo jornal britânico Financial Times e a agência de notícias Reuters, que estipulam que países que não cumpram com acordos de deportação poderão sofrer cortes nos repasses da UE.

A diretriz foi criticada por entidades humanitárias, como a organização de combate à pobreza Oxfam, que acusou a UE de "distorcer as metas de desenvolvimento" do bloco e responder a problemas estruturais complexos com "reparos políticos de curto prazo".

A mudança de rumo da UE vem em meio a um clamor crescente dentro da Europa pelo combate da imigração irregular nas rotas do Mar Mediterrâneo e do Saara. A pressão é especialmente intensa em países como Alemanha, Itália e Grécia, onde a rejeição a refugiados tem aumentado.

"UE tem medo da 'africanização' da Europa"

Para especialistas e pesquisadores africanos, a nova postura da UE na cooperação internacional é coercitiva e neocolonial, e tende a minar tanto a soberania das nações africanas quanto a confiança que elas depositam no bloco.

"Impeça a sua gente de migrar ou fique sem ajuda – para mim, soa como uma mensagem de coerção, e não de cooperação", afirma à DW Maria Ayuk, PhD que pesquisa sobre paz e segurança na Universidade Otto von Guericke, de Magdeburg, na Alemanha. "Isso reduz as nações africanas a guardas de fronteira, em vez de parceiros equiparados rumo ao desenvolvimento."

Ayuk critica a UE por, a seu ver, tratar a migração como moeda de troca na relação com países africanos. "A UE está securitizando a migração, e ao longo dos anos a tem politizado", aponta. "O que a UE está fazendo está forçando africanos a manter as pessoas na África, porque eles [UE] têm medo da 'africanização' da Europa."

Por que africanos migram

Enquanto formuladores de políticas públicas na Europa frequentemente enfatizam o que chamam de "fatores de atração" para migrantes – como trabalho, segurança pública e um Estado de bem-estar social forte –, analistas africanos pontuam que, primeiro, é preciso prestar mais atenção nas condições que levam as pessoas a migrar.

"As pessoas certamente sentirão a necessidade de ir embora", afirma Fidel Amakye Owusu, consultor de segurança e geopolítica baseado em Gana. 

Entre os principais fatores que alimentam a migração, ele cita "problemas socioeconômicos, lacunas no desenvolvimento rural-urbano, pobreza indigna, conflitos e desemprego".

O analista de mídia e assuntos globais Paul Ejime concorda. Para ele, as pessoas migram porque o ambiente em que elas vivem é hostil. A pobreza, as dificuldades da vida cotidiana e a instabilidade, afirma, estão levando africanos a arriscarem suas vidas para tentar sobreviver. 

"No passado, durante a escravidão, africanos foram enviados à força ao exterior. Hoje, são os jovens que fogem, porque o ambiente não é propício", afirma. "Fechar a porta ou construir muros não é a solução."

Ayuk, da Universidade de Magdeburg, ressalta que governos africanos são parte do problema: "Temos vários líderes autocráticos que querem permanecer para sempre no poder. Essas são as questões centrais das quais precisamos tratar."

Especialistas concordam que as práticas comerciais da Europa e intervenções estrangeiras contribuíram diretamente para a instabilidade e o subdesenvolvimento na África. E essas condições, afirmam eles, impulsionam a migração.

"As políticas comerciais extrativistas da UE, exportações de armas e intervenções seletivas [...] contribuíram para a instabilidade e a insegurança; e, claro, para o subdesenvolvimento, alimentando a mesma migração que [a UE] quer evitar", observa Ayuk.

Ejime acrescenta que isso se reflete também no setor de saúde. "A maior parte dos profissionais de saúde nesses países está na Europa e nos Estados Unidos. O setor de saúde é mal financiado, tem poucos recursos, e a força de trabalho que eles têm está indo para o exterior", diz.

O problema é exacerbado, segundo Ejime, pelo que ele chama de padrões duplos da Europa: "Eles podem abrir suas portas para pessoas da Ucrânia. Mas quando se trata de africanos, eles endurecem as regras."

Mulheres lavam roupa em lavanderia coletiva num campo de refugiados no Maláui; fot de 2018
No Maláui, o maior campo de refugiados do país (foto) pode ser fechado por causa dos cortes de financiamento das Nações Unidas Foto: Amos Gumullira/AFP/Getty Images

Cooperação internacional instrumentalizada para fins políticos

A tática da UE de condicionar a cooperação internacional para o desenvolvimento ao cumprimento de metas de migração também é percebida como exploratória por analistas africanos.

"Sim, acho que a UE está tentando condicionar a ajuda ao controle de migração", afirma Ayuk. "Ela a instrumentaliza." 

Com isso, a cooperação internacional passa a ser guiada por interesses próprios, em vez de solidariedade, na visão da pesquisadora – uma abordagem que, nas palavras dela, "mina a confiança e o respeito mútuo" entre a Europa e a África.

"Eles [a UE] sempre fizeram isso", critica Ejime. "Quando querem te dar apoio, às vezes eles vêm com condicionalidades."

A responsabilidade da classe política africana

Embora os três especialistas africanos critiquem a mudança na política de apoio da UE, eles também veem os governos domésticos como responsáveis pela crise e pelo endurecimento da política europeia de migração.

"A África é o problema, porque não tem agência internacional", afirma Ayuk. "Aqueles que deveriam representar a África não representam os interesses coletivos da África, mas sim os interesses individuais das elites."

Alguns analistas estão apelando a líderes africanos para que redefinam os termos das negociações com a UE.

Para Ejime, contudo, essa não é uma demanda realista. "Infelizmente, eles [políticos africanos] estão negociando de uma posição de fraqueza. Eles estão fracos. As economias estão fracas. Politicamente, eles não são sequer populares em seus próprios países, e alguns são corruptos."

Que opções a África tem?

A África não é impotente, pontuam os especialistas, mas precisa se mobilizar politicamente se quiser ter alguma capacidade de agência.

"Se trabalhadores qualificados vão para o exterior, talvez pudesse haver um tipo de acordo ou contrato para enviar dinheiro de volta [aos países de origem] para desenvolver os sistemas de saúde e educação", sugere Ejime.

Ayuk vê potencial nos recursos naturais e blocos regionais do continente. "Mas a África precisa de uma liderança unificada e de uma mudança, passando da dependência para um desenvolvimento definido sob seus próprios termos", pondera.

Já Owusu observa que é preciso investir em tecnologia para garantir o controle efetivo das fronteiras nacionais. "Muitos países africanos não têm tecnologia para patrulhar todas as suas fronteiras. É muito difícil administrá-las e controlar o fluxo de pessoas."

Mas ele também alerta que a abordagem da UE pode ser contraproducente e alienante, especialmente para os países africanos que já estão fazendo esforços genuínos de controle de fronteiras e migração. Como consequência, o continente pode acabar se alinhando a outros parceiros, como o Brics ou outras iniciativas do Sul Global.

Ayuk e Ejime compartilham dessa avaliação, e acham que a postura da UE põe em risco as relações com o continente e não trata dos problemas que levam as pessoas a fugir para a Europa.

"A migração deve ser administrada, sim, mas não securitizada ou politizada. Precisamos de relações recíprocas, baseadas em respeito, equidade e justiça", afirma Ayuk.

Owusu concorda: "A Europa precisa parar de ver a África como problema e começar a enxergá-la como parceira."

"A África é mal administrada. E foi empobrecida por más lideranças", arremata Ejime.

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