O que se sabe sobre as crianças resgatadas na selva
12 de junho de 2023As quatro crianças resgatadas na selva amazônica colombiana após ficarem 40 dias desaparecidas estão recebendo tratamento médico em Bogotá e estão fora de perigo, informaram autoridades da Colômbia na noite deste sábado (10/06).
Elas ficaram perdidas e sozinhas após a queda do avião em que estavam provocar a morte da mãe delas, Magdalena Mucutuy, quatro dias depois do acidente, devido aos ferimentos – além do piloto e de um líder indígena da região. A mulher teria pedido para que as crianças deixassem o local da queda.
Os sobreviventes são Lesly Jacobombaire Mukutuy, de 13 anos, Soleiny Jacobombaire Mukutuy, de 9 anos, Tien Noriel Ronoque Mukutuy, de 5 anos, e Cristin Neruman Ranoque Mukutuy, de 1 ano.
Membros da equipe de buscas chamaram Lesly, a mais velha dos irmãos, de "heroína" e disseram que, graças a ela, todos foram encontrados em segurança.
"Foi a menina, a mais velha, nossa heroína, aquela que com sua sabedoria cuidou e protegeu seus irmãos", explica o diretor da Unidade de Restituição de Terras, Giovanny Yule, que participou das buscas.
Como estão as crianças
O responsável pelo Comando Conjunto de Operações Especiais da Colômbia (CCOES), general Pedro Sánchez Suárez, disse que as crianças foram transferidas para o Hospital Militar, em Bogotá, "onde estão sendo tratadas física e psicologicamente", segundo informou o portal El Tiempo.
As crianças foram transportadas de San José del Guaviare para Bogotá em um avião ambulância da Força Aérea colombiana, juntamente com o pai, Manuel Miller Ranoque – que seria também padrasto de algumas das vítimas –, e um dos avós, sob os cuidados de uma equipe de pediatras.
"Acabei de olhar para meus netos", disse Fidencio Valencia, um indígena huitoto de 47 anos, a repórteres do lado de fora do hospital. "Eles estão felizes em ver a família e têm todos os sentidos completos", acrescentou o avô.
As crianças devem ficar internadas de duas a três semanas e serão atendidas por uma equipe multidisciplinar.
O general Carlos Rincón, médico do hospital, indicou que as crianças receberão "apoio tradicional e psicológico para poder se adaptar a essas novas condições". Segundo Rincón, elas estão sendo submetidas a exames de diagnóstico clínico e de imagem e recebendo tratamento de recuperação nutricional e psicológica.
Uma delegação do governo, chefiada pelo presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e pelo ministro da Defesa, Iván Velásquez, visitou as crianças neste sábado e destacou que elas estão em boas condições, tendo em conta a odisseia que viveram.
Por que elas estavam perdidas
As crianças viajavam com a mãe e um líder indígena em um pequeno avião Cessna 206, operado pela empresa Avianline Charter, que desapareceu dos radares em 1º de maio, nas imediações de San José del Guaviare, na região central do país, cidade para a qual se dirigia.
De acordo com investigações noticiadas pela mídia local, o piloto comunicou por rádio que o motor do avião tinha falhado e, pouco depois, a aeronave se chocou contra copas de árvores e caiu violentamente de bico no chão. A causa do acidente ainda não foi concluída.
Os três adultos morreram no acidente e seus corpos foram encontrados vários dias depois. Na área, de difícil acesso fluvial e sem rodovias, é comum viajar em voos particulares.
Como foram as buscas
Logo após a descoberta dos destroços do avião e dos corpos dos três adultos, uma equipe de mais de uma centena de pessoas, formada por militares e indígenas de várias tribos, iniciou a procura pelas crianças.
A esperança de que elas pudessem ser encontradas com vida foi alimentada pela descoberta, na selva, de objetos pessoais, assim como de uma fruta parcialmente comida, uma mamadeira e um abrigo improvisado.
As equipes percorreram 2.656 quilômetros seguindo o rastro dos menores, utilizando táticas militares e práticas tradicionais das comunidades nativas e fizeram vários voos de helicóptero e avião para encontrá-las.
Além disso, jogaram dezenas de kits de sobrevivência de aviões enquanto reproduziam uma mensagem da avó das crianças, gravada na língua huitoto, pedindo para que ficassem parados e esperassem ajuda.
Onde as crianças foram encontradas
Segundo mapas do Exército colombiano, os irmãos foram encontrados a cinco quilômetros do local do acidente, em uma área remota entre os departamentos de Caquetá e Guaviare.
A selva é muito densa e perigosa no local e as buscas foram dificultadas pela presença de animais selvagens, árvores de até 40 metros de altura e chuva intensa.
Além de animais selvagens e vegetação hostil, a selva amazônica abriga guerrilheiros que romperam com o pacto de paz assinado pelas Farc em 2016.
Os menores foram avistados na sexta-feira e, devido a isso, um helicóptero da Força Aérea Colombiana (FAC) foi acionado, retirando-os da selva e levando-os a San José del Guaviare, capital do departamento de Guaviare.
Depois, um avião C-295 configurado como ambulância os levou à capital Bogotá.
Como as crianças sobreviveram
Os "filhos do mato", como disse o avô, conseguiam sobreviver comendo um pouco de farinha de mandioca que estava a bordo do avião e resgatando parte da comida jogada ao acaso por helicópteros do Exército.
Além disso, eles consumiram sementes, frutas, raízes e plantas que identificaram e sabiam serem comestíveis, explicou Luis Acosta, chefe nacional dos guardas indígenas da Organização Nacional Indígena da Colômbia (ONIC).
"São crianças indígenas e conhecem muito bem a selva. Sabem o que comer e o que não. Conseguiram sobreviver graças a isso e à sua força espiritual", disse Acosta, que participou das operações de busca.
Cerca de 84 voluntários, integrantes das guardas indígenas dos departamentos de Caquetá, Putumayo, Meta e Amazonas, passaram a integrar a "Operação Esperança", como foi batizada.
Com facões e latas de tinta spray, os socorristas deixaram marcas e troncos cortados e colocados estrategicamente para orientar as crianças.
Suárez, general que comandou o resgate e chefia o CCOES, classificou o sucesso da operação como resultado de "uma mistura de conhecimento indígena e arte militar".
De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, Lesly carregava uma mochila com uma espécie de toldo, uma toalha, uma lanterna e uma garrafa plástica de refrigerante que as crianças enchiam de água. Segundo a imprensa colombiana, os quatro irmãos ficavam sempre perto de um rio.
Como o menino de 5 anos estava muito fragilizado e com dificuldade de andar, as irmãs fizeram uma espécie de barracara para que ele descansasse usando o toldo, a toalha e um pedaço de madeira. Foi neste abrigo que Tien Noriel foi encontrado pela equipe de resgate. Ao ser resgatado, ele teria pedido salsicha e contado que a mãe havia morrido.
Padrinhos
No avião médico rumo a Bogotá, o pai das crianças convidou o general para ser padrinho da caçula dos irmãos, que completou 1 ano enquanto estava perdida.
"Para mim, é uma honra", respondeu Suárez, segundo a emissora Caracol.
Outro general, comandante das Forças Especiais, será padrinho de outro dos irmãos da comunidade huitoto, Tien Noriel, que fez 5 anos enquanto estava perdido.
Cão desaparecido
Após o resgate das crianças, as buscas seguem para encontrar o cão Wilson, um pastor belga malinois que integrava a equipe e desapareceu durante a operação.
"Lesly, que sorriu para nós e nos deu um abraço, contou sobre o cachorro", destacou Astrid Cáceres, diretora de uma entidade estadual que zela pelos direitos das crianças.
De acordo com as crianças, o cachorro esteve com elas por dois ou três dias e estava "muito magro". No hospital, as duas meninas mais velhas fizeram desenhos em que Wilson aparecia com elas.
Denúncias e ameaças
De acordo com informação publicadas pelo portal El Tiempo nesta segunda-feira, enquanto as crianças eram atendidas no hospital, Ranoque fez uma série de acusações, a exemplo de fotos feitas com seus filhos e divulgadas na internet sem a sua autorização.
Ele reclamou inclusive de imagens registradas junto ao presidente colombiano, no sábado, ao lado das crianças.
Ranoque argumenta que as crianças entraram no avião para escapar de ameaças de recrutamento por parte da frente Carolina Ramírez, uma guerrilha paramilitar colombiana que, segundo ele, estaria ameaçando-o – em algumas regiões da Colômbia, guerrilheiros costumam intimidar e recrutar habitantes locais.
Supostas denúncias de maus-tratos por parte do pai contra as crianças e também contra a mãe delas devem ser investigadas pelo Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar. Ranoque nega as acusações e diz que o motivo para isso é a tentativa de afastá-lo dos filhos. As suspeitas já teriam sido negadas pela filha mais velha.
le/gb (Lusa, EFE, AFP, ots)