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Estado de DireitoBrasil

O que está em jogo no julgamento histórico de Bolsonaro

1 de setembro de 2025

STF decide se ex-presidente e outros sete réus são culpados em trama golpista. Caso atrai holofotes mundiais e rompe com tradição conciliadora pós-ditadura.

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Jair Bolsonaro de perfil; foto de arquivo
Bolsonaro nega que tenha tentado um golpe, e afirma estar sendo perseguido por Alexandre de MoraesFoto: Marco Bello/REUTERS

Poucos momentos no calendário brasileiro evocam o espírito nacionalista como o 7 de Setembro, Dia da Independência. Crianças são estimuladas a celebrar as cores do país e desfiles cívicos e militares tomam as ruas de várias cidades. Em Brasília, tanques passam pela Esplanada dos Ministérios e um militar costuma bater continência para o presidente da República.

Neste ano, as celebrações terão um pano de fundo especial: o julgamento dos acusados de integrarem o núcleo central da trama para dar um golpe de Estado após as eleições de 2022, cuja figura de proa é o ex-presidente e militar reformado Jair Bolsonaro. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) inicia o julgamento nesta terça-feira (02/09) e reservou sessões para isso até a sexta-feira da próxima semana.

Apoiadores de Bolsonaro organizarão atos no 7 de Setembro em sua defesa, sob o mote de que seria um julgamento injusto, e críticos ao ex-presidente também irão às ruas defendendo sua punição. O país está dividido, com uma leve maioria de apoio ao trabalho do STF e à prisão de Bolsonaro.

Uma pesquisa Datafolha realizada em 29 e 30 de julho apontou que 55% concordavam com as primeiras restrições aplicadas pelo STF contra o ex-presidente, como tornozeleira eletrônica e proibição de sair de casa à noite, enquanto 41% discordavam. O resultado é mais apertado sobre se Bolsonaro deveria ser preso por tentativa de golpe: 48% responderam que sim e 46%, que não, no limite da margem de erro de dois pontos percentuais.

Bolsonaro com as mãos no bolso, acompanhado de outros homens
Bolsonaro sai de hospital em Brasília após fazer exames, em 16 de agostoFoto: Mateus Bonomi/Anadolu/picture alliance

O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, reconheceu que o julgamento traz "algum grau de tensão" ao país, mas o considera importante para encerrar um ciclo. "É imperativo o julgamento, porque o país precisa encerrar o ciclo em que se considerava legítima e aceitável a quebra da legalidade constitucional por não gostar do resultado eleitoral", disse em 25 de agosto.

Nos 50 dias que antecederam o julgamento, Bolsonaro sentiu gradativamente os efeitos de restrições à sua liberdade. Em 18 de julho, teve que instalar uma tornozeleira eletrônica e foi proibido de usar redes sociais, de sair de casa à noite e de se comunicar com investigados e autoridades estrangeiras. Em 4 de agosto, após descumprir a proibição de uso de redes sociais, teve sua prisão domiciliar decretada e seus celulares apreendidos e foi proibido de receber visitas sem autorização judicial.

Essas decisões foram tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator de inquéritos e ações penais relacionadas à tentativa de golpe. A primeira, que decretou as cautelares, foi referendada pela Primeira Turma da corte.

Bolsonaro nega que tenha tentado um golpe e diz estar sendo perseguido por Moraes. Sua defesa afirmou, nas alegações finais, que o ex-presidente em momento algum "praticou qualquer conduta que tivesse por finalidade impedir ou dificultar a posse" de Luiz Inácio Lula da Silva e que ele "sempre defendeu e reafirmou a democracia e o Estado de Direito". Os demais réus também negam ter participado de atividades criminosas.

Como será o julgamento

O presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin, programou sessões nos dias 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro para julgar a ação penal sobre o chamado "núcleo crucial" da trama do golpe. Compõem o colegiado Zanin, Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Luiz Fux.

Além de Bolsonaro, há outros sete réus nessa ação penal, sendo quatro militares da reserva de alta patente: Almir Garnier Santos, almirante da reserva da Marinha, Augusto Heleno, general da reserva do Exército e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, Paulo Sérgio Nogueira, general da reserva do Exército e ex-ministro da Defesa, e Walter Braga Netto, general da reserva do Exército e ex-ministro da Casa Civil.

Os demais três réus são Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Alexandre Ramagem, deputado federal (PL-RJ) e ex-diretor geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), e Mauro Cid, tenente-coronel da ativa do Exército e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

Braga Netto e Bolsonaro se cumprimentando
Braga Netto, que foi ministro da Defesa de Bolsonaro e seu candidato a vice em 2022, também é réu na mesma ação penalFoto: EVARISTO SA/AFP

O grupo é acusado de ter cometido cinco crimes em 2022 e 2023: golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa armada, dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Apenas Ramagem não responderá ao crimes de dano contra o patrimônio da União e de deterioração de patrimônio tombado.

O julgamento será iniciado com Moraes lendo seu relatório sobre o caso, seguido pela manifestação do procurador-geral da República, Paulo Gonet. Depois, os advogados dos réus apresentam suas sustentações orais, começando pela defesa de Mauro Cid, que firmou um acordo de colaboração premiada. A defesa de Bolsonaro será a quinta a se manifestar.

Por fim, os ministros apresentam seus votos e, caso haja maioria pela condenação, fixam a pena de cada réu. Dependendo da evolução, é possível que o julgamento não seja encerrado no dia 12, e novas sessões seriam marcadas. Também é possível que algum ministro peça vista do processo, com prazo de 90 dias para devolução. Mesmo que haja pedido de vista, a expectativa é que o julgamento termine neste ano.

Brasília terá um contingente extra de policiais durante os dias de julgamento, e cerca de 30 policiais estarão permanentemente de prontidão no STF, inclusive durante a noite. Também foram realizadas varreduras nas casas dos ministros.

O que está em jogo

Sob uma perspectiva histórica, o julgamento será a primeira vez que o sistema de Justiça brasileiro irá processar e, eventualmente, punir um ex-presidente por tentativa de golpe de Estado. Trata-se de uma ruptura com o modelo adotado da última vez em que o Brasil sofreu um golpe de Estado, em 1964, cujos líderes e patrocinadores foram poupados após a redemocratização por uma generosa anistia.

Bolsonaristas e integrantes conservadores do Congresso tentaram fazer avançar um projeto que anistia o ex-presidente e seus apoiadores, mas a empreitada não deslanchou. Segundo a pesquisa Datafolha citada no início deste texto, 55% dos brasileiros são contra uma anistia, enquanto 35% são favoráveis.

O julgamento ocorrerá de forma relativamente célere considerando a complexidade do caso e os padrões do Judiciário brasileiro: dois anos e oito meses após os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, que depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília e balançaram o início do atual governo Lula. .

A maioria da massa de bolsonaristas que participou dos atos golpistas já foi responsabilizada. Foram abertas 1.628 ações penais no STF sobre o caso, e até 12 de agosto 1.190 pessoas haviam sido responsabilizadas pela corte – 638 foram julgadas e condenadas e outras 552 admitiram a prática de crimes menos graves e fizeram acordo com o Ministério Público Federal.

Homens em um ato com placas contra a anistia para Bolsonaro; imagem do dia 10 de dezembro de 2024
Pesquisa Datafolha aponta que 55% dos brasileiros são contra a anistia a Bolsonaro, mas um percentual menor, 48%, defende sua prisãoFoto: Nelson Almeida/AFP

O STF também estará sob holofotes internacionais. Bolsonaro integra uma corrente de partidos e movimentos de extrema direita atuantes em diversos países do mundo. Os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 em Brasília emularam o ataque ao Capitólio de 5 de janeiro de 2021 em Washington DC, quando apoiadores de Donald Trump, então derrotado em sua campanha à reeleição, tentaram impedir a posse de seu sucessor, Joe Biden.

A evolução de ambas as tentativas violentas de subversão da ordem institucional teve caminhos muito distintos até o momento, o que levou a revista britânica The Economist a publicar uma reportagem de capa sustentando que o julgamento de Bolsonaro no Brasil oferece uma lição de "maturidade democrática" aos EUA.

Essa distinção tem sido frisada por Lula, cujo governo está no alvo de Trump. O líder dos EUA anunciou um tarifaço contra o Brasil para, entre outros motivos, pressionar pela suspensão do julgamento de Bolsonaro.

"Se Trump fosse brasileiro e se tivesse feito o que aconteceu no Capitólio, ele também seria julgado, e se ele também tivesse violado a Constituição de acordo com a Justiça, ele também estaria preso", afirmou Lula em uma entrevista à CNN publicada em 17 de julho. O paralelo internacional dá a Lula um discurso de defesa da soberania, mas pode vir a causar mais problemas para o Brasil – é possível que Trump amplie a pressão sobre seu governo caso Bolsonaro seja condenado.

Michelle Bolsonaro em cima de um trio elétrico discursando para pessoas na rua em um protesto; foto do dia 3 de agosto de 2025
Bolsonaristas consideram que o ex-presidente está sendo perseguido por MoraesFoto: Marx Vasconcelos/REUTERS

Por fim, uma eventual condenação de Bolsonaro acelera a disputa na direita entre pré-candidatos ao Planalto que querem o apoio da base política do ex-presidente, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo)

Bolsonaro já está inelegível até 2030, em função de outros processos julgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas se recusa a apoiar um nome para as eleições de 2026. Essa estratégia é similar ao que fez Lula quando ficou preso de abril de 2018 a novembro de 2019 por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na ação penal sobre o triplex no Guarujá, posteriormente anulada pelo STF.

O petista seguiu candidato às eleições de 2018, como forma de aumentar a pressão política pela reversão de seu julgamento, e o PT só declarou que Fernando Haddad seria seu candidato no último dia do prazo eleitoral.

O que acontece se Bolsonaro for condenado

Caso seja considerado culpado pelos crimes dos quais é acusado, Bolsonaro pode receber uma pena máxima de mais de 40 anos de reclusão. A definição de pena leva vários fatores em conta, inclusive a idade do condenado.

Se houver divergência entre os ministros da Primeira Turma sobre a sentença para Bolsonaro, é possível que seus advogados apresentem um recurso chamado embargos infringentes para tentar levar o processo ao plenário da corte, mas há dúvida sobre se isso poderia ser aplicado neste caso.

Uma casa grande e cinza de dois andares
Casa de Bolsonaro em Brasília, onde ele está em prisão domiciliar desde 4 de agostoFoto: Eraldo Peres/AP Photo/picture alliance

Bolsonaro tem 70 anos e alguns problemas de saúde, parte deles decorrente da facada que levou durante a campanha eleitoral de 2018. Desde que foi colocado em prisão domiciliar, ele tem tido crises de soluço e sintomas de refluxo. Em 16 de agosto, o ex-presidente foi a um hospital para realizar exames, e seu boletim médico apontou um quadro de infecções pulmonares, esofagite e gastrite.

Segundo uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo, ministros do STF avaliam que uma eventual condenação de Bolsonaro à prisão não seria cumprida em um quartel do Exército, pois poderia estimular uma movimentação de seus apoiadores. Outras duas possibilidades são consideradas: uma cela especial no presídio da Papuda, em Brasília, ou uma sala adaptada na Superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal – similar ao que ocorreu quando Lula esteve preso em Curitiba.

Se for condenado, a defesa de Bolsonaro deve pedir que ele cumpra a pena em regime domiciliar, citando o precedente do ex-presidente Fernando Collor, que tem 76 anos e foi condenado por um esquema de corrupção na BR Distribuidora. Poucos dias após ser preso, o STF autorizou em 1º de maio que ele cumprisse a pena em casa, após a defesa alegar que ele sofre de doenças graves, que incluem doença de Parkinson, apneia do sono grave e transtorno afetivo bipolar.