Moraes decreta prisão domiciliar de Jair Bolsonaro
Publicado 4 de agosto de 2025Última atualização 5 de agosto de 2025O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes ordenou nesta segunda-feira (04/08) a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro por descumprimento de medidas cautelares impostas no âmbito do julgamento da trama golpista.
Moraes ainda proibiu Bolsonaro de receber visitas, com exceção de seus advogados ou familiares autorizados pelo STF. Ele também não poderá acessar aparelhos celulares, seja diretamente ou por meio de terceiros.
A defesa de Bolsonaro se disse "surpreendida" pelo despacho e nega que houve descumprimento da decisão ou ato criminoso (leia mais abaixo).
A Polícia Federal informou já ter cumprido o mandado de prisão domiciliar na casa do ex-presidente, que também teve seu aparelho celular retido pelos agentes.
Moraes entendeu que Bolsonaro violou a proibição de utilizar redes sociais ao ter mensagens divulgadas nos perfis de aliados durante o ato bolsonarista realizado no último domingo, em diversas capitais do país. As publicações, segundo o ministro, continham "claro conteúdo de incentivo e instigação a ataques ao Supremo Tribunal Federal e apoio ostensivo à intervenção estrangeira no Poder Judiciário brasileiro".
"Agindo ilicitamente, o réu se dirigiu aos manifestantes reunidos em Copacabana, no Rio de Janeiro, produzindo dolosa e conscientemente material pré-fabricado para seus partidários continuarem a coagir o STF e obstruir a Justiça", escreveu Moraes.
Flávio Bolsonaro publicou vídeo do ex-presidente
Na ocasião, Bolsonaro fez um breve discurso a apoiadores reunidos em Copacabana por meio de uma ligação telefônica com seu filho, o senador Flávio Bolsonaro. "Boa tarde, meu Brasil. Um abraço a todos, é pela nossa liberdade. Estamos juntos", disse Bolsonaro. Um vídeo do momento, em que ele aparece em casa segurando um celular, foi publicado nos perfis de Flávio. Moraes havia proibido o ex-presidente de transmitir áudios ou vídeos, mesmo que em redes de terceiros.
O senador posteriormente apagou a publicação, movimento que o magistrado tomou como uma tentativa "de omitir o descumprimento das medidas cautelares".
Moraes também destacou que outras mensagens relacionadas ao ex-presidente foram publicadas ao longo do domingo nos perfis de seus filhos parlamentares, Carlos Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro.
Além disso, o ex-presidente participou de uma videochamada com o deputado federal Nikolas Ferreira na ocasião. O parlamentar estava presente na manifestação em São Paulo e exibiu ao público a tela de seu celular, na qual Bolsonaro acompanhava o ato ao vivo.
"Não há dúvidas de que houve o descumprimento da medida cautelar imposta a Jair Messias Bolsonaro", escreveu Moraes, considerando que tais publicações foram ato pré-concebido pelo ex-presidente, que estava proibido de comparecer aos atos por não poder sair de casa aos finais de semana.
Durante as manifestações, apoiadores voltaram a pedir anistia aos envolvidos nos atos golpistas, além de exaltarem o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e comemorarem as sanções impostas por ele a Moraes.
Proibição inclui redes sociais de terceiros
O uso de tornozeleira eletrônica foi imposto ao ex-presidente por decisão do STF, que também o proibiu de acessar redes sociais, sair de casa à noite e nos fins de semana e manter contato com diplomatas estrangeiros, réus e outros investigados.
Bolsonaro não pode aparecer em áudios, vídeos ou entrevistas publicadas em redes sociais de terceiros.
As restrições, segundo despacho de Moraes de 18 de julho, abarcam "transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros, não podendo o investigado [Bolsonaro] se valer desses meios para burlar a medida, sob pena de imediata revogação e decretação da prisão".
As medidas cautelares atenderam a um pedido da Polícia Federal referendado pela Procuradoria-Geral da República, que temiam que o ex-presidente tentasse fugir do Brasil, pedir asilo aos Estados Unidos ou interferir no andamento do julgamento da trama golpista.
O ex-presidente é um dos principais réus do caso, e a expectativa é de que o STF conclua o julgamento ainda neste ano. Bolsonaro enfrenta acusações cujas penas, somadas, chegam a mais de 40 anos de prisão.
Um dos investigados com quem o ex-presidente não pode manter contato é o filho Eduardo, que está nos EUA desde maio e entrou na mira da PF após fazer lobby em favor do pai junto à Casa Branca.
No entendimento da PF, a conduta do parlamentar pode configurar atentado à soberania do Brasil, e um dos sinais de que a atuação dele surtiu efeito foi o anúncio de Trump, em 9 de julho, de tarifas contra o Brasil em retaliação ao julgamento de Bolsonaro.
Antes de ter sua prisão domiciliar decretada, o próprio Bolsonaro chegou a sugerir a anistia a si próprio, aprovada pela sua base aliada no Congresso, como uma saída para evitar as tarifas. Também propôs a devolução de seu passaporte para que pudesse viajar aos Estados Unidos e convencer Trump a desistir das tarifas. Para Moraes, a conduta dá sinais de tentativa de obstrução da Justiça.
Com o despacho desta segunda-feira, Bolsonaro se torna o quarto presidente a ser detido no Brasil desde a redemocratização. Além dele, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Collor de Mello e Michel Temer, esse preventivamente no âmbito da Operação Lava Jato, também foram presos.
Moraes havia ameaçado prisão em julho
Em julho, Moraes já havia entendido que Bolsonaro violou ordem de não utilizar rede social própria ou de terceiro em situação anterior, mas não exigiu prisão pois, segundo ele, o episódio foi "irregularidade isolada".
O ministro havia ameaçado prender imediatamente o ex-presidente caso a defesa dele não explicasse em 24h por que ele apareceu em um vídeo publicado horas antes nas redes sociais de Eduardo Bolsonaro. Nas imagens, o ex-presidente aparece exibindo a tornozeleira eletrônica, descrita por ele como "covardia" e "símbolo da máxima humilhação".
Defesa nega descumprimento
Em nota, os advogados de Bolsonaro disseram que o ex-presidente não descumpriu qualquer medida. "Cabe lembrar que na última decisão constou expressamente que 'em momento algum Jair Bolsonaro foi proibido de conceder entrevistas ou proferir discursos em eventos públicos'", escreveram.
Segundo a defesa, a frase proferida a apoiadores no Rio de Janeiro "não pode ser compreendida como descumprimento de medida cautelar, nem como ato criminoso". Os advogados vão recorrer da decisão.
À CNN, o senador Flávio Bolsonaro disse que a decisão de Moraes é uma "clara demonstração de vingança às sanções que sofreu pela Lei Magnitsky". "Como eu estou descumprindo a decisão cautelar se eu não faço parte do processo? É por causa dessa aberração jurídica de ele estender o efeito de um processo a terceiros é que ele trouxe os EUA para dentro do Brasil", disse o senador.
O deputado federal Nikolas Ferreira, citado na decisão, também se manifestou.
"Prisão domiciliar decretada de Jair Bolsonaro por Moraes. Motivo: Corrupção? Rachadinha? [...] Não. Seus filhos postaram conteúdo dele nas redes sociais. Que várzea", publicou no X.
"Eu falo no dia da manifestação. Ele [Bolsonaro] não pode falar, mas ele pode ver. E aí ele vê. Se uma outra pessoa filma e posta nas redes sociais, aquela pessoa é responsabilizada e ele também, como assim?", questionou.
Também nas redes sociais, Eduardo Bolsonaro disse que recebeu a notícia "sem surpresas". "Meu pai, Jair Bolsonaro, foi preso hoje por apoiar, de sua própria casa, o povo brasileiro que foi às ruas para se manifestar contra os abusos do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. E porque eu e meus irmãos postamos fotos dele", escreveu.
Reação dos EUA
Após a decisão de Moraes, o Escritório para Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado dos Estados Unidos criticou o ministro do STF, que já vem sendo alvo de sanções impostas pela Casa Branca.
Em publicação na rede X, o órgão da diplomacia do presidente Donald Trump – um aliado de Bolsonaro – acusou Moraes se der um "violador de direitos humanos" que instrumentaliza as instituições para "silenciar a oposição e ameaçar a democracia".
"Impor ainda mais restrições à capacidade de Jair Bolsonaro de se defender publicamente não é um serviço público. Deixem Bolsonaro falar!", diz a publicação.
O Departamento de Estado dos EUA também fez advertências para autoridades brasileiras. "Os Estados Unidos condenam a ordem de Moraes que impôs prisão domiciliar a Bolsonaro e responsabilizarão todos aqueles que colaborarem ou facilitarem condutas sancionadas."
ra/gq (Agência Brasil, ots)