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Europeus reforçam apoio a Zelenski após embate com Trump

Publicado 1 de março de 2025Última atualização 1 de março de 2025

"Mundo livre precisa de novo líder; cabe a nós aceitar esse desafio", diz chefe da diplomacia da UE. Europa sinaliza predisposição para assumir papel central no apoio a Kiev e na busca por um fim definitivo do conflito.

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O premiê britânico Keir Starmer e o presidente ucraniano Volodimir Zelenski sorriem enquanto apertam as mãos em Downing Street, em Londres
Em operação de contenção de danos, premiê britânico Keir Starmer recebeu Zelenski em Londres um dia após bate-boca com TrumpFoto: Peter Nicholls/REUTERS

Os líderes europeus reforçaram o apoio ao presidente ucraniano Volodimir Zelenski após o entrevero com seu homólogo americano, Donald Trump, em um episódio que gerou novos questionamentos sobre os esforços para pôr fim à guerra entre Rússia e Ucrânia.

As reações das principais lideranças europeias sinalizam uma predisposição em assumir um papel central e mais amplo no apoio militar a Kiev, assim como na busca por um fim definitivo do conflito.

O encontro em Washington nesta sexta-feira (28/02), inicialmente planejado para formalizar um acordo econômico para exploração americana de recursos minerais estratégicos em solo ucraniano, descambou para um bate-boca sobre a postura de Kiev em relação ao conflito com a Rússia e o apoio militar americano à Ucrânia.

A atitude hostil de Trump e de seu vice, J.D. Vance, em pleno Salão Oval da Casa Branca – local conhecido como cenário de apertos de mãos e gestos diplomáticos entre líderes mundiais – gerou fortes reações de apoio da ampla maioria dos líderes europeus, que se veem cada vez pressionados pelas exigências de Washington em relação à Ucrânia e pela erosão da aliança transatlântica.

Sob Trump, os EUA passaram a questionar o envio de bilhões de dólares americanos em ajuda militar à Kiev e a pedir contrapartidas, como o acesso a seus minerais de terras raras, para compensar a ajuda recebida durante o governo do antecessor de Trump, Joe Biden.

"Apostar na terceira guerra mundial"

Durante o encontro na Casa Branca, Zelenski pediu garantias de segurança mais concretas por parte de Washington, que vinha defendendo um cessar-fogo no conflito. Citando o histórico de violações da Rússia à ordem internacional, ele aconselhou os americanos a desconfiarem da disposição de Moscou em cumprir acordos diplomáticos.

Trump enfatizou a necessidade de compromissos por parte da Ucrânia, sugerindo que Kiev deveria considerar concessões territoriais para alcançar a paz. Zelenski rebateu, afirmando que não faria "concessões a um assassino", referindo-se ao presidente russo, Vladimir Putin.

Mas, ao invés de receber garantias da continuidade da ajuda americana, Zelenski acabou tendo que ouvir sermões de Trump e de Vance, com o ucraniano mal tendo chance de reagir às acusações e censuras que lhe foram feitas. Trump chamou Zelenski de ingrato e acusou-o de não estar disposto a fazer as pazes com a Rússia e de "apostar na terceira guerra mundial".

Trump: 'You're either going to make a deal, or we're out'

A oposição democrata no Senado americano acusou o presidente e seu vice de ficarem do lado do Kremlin. "Trump e Vance estão fazendo o trabalho sujo de Putin", postou o líder da minoria democrata no Senado, Chuck Schumer, nas redes sociais.

"Mundo livre precisa de nova liderança"

Logo após o entrevero em Washington, os líderes da União Europeia garantiram a Zelenski que ele "nunca estava sozinho". Os presidentes da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e do Conselho Europeu, António Costa, divulgaram uma declaração conjunta pedindo ao ucraniano que "seja forte, seja corajoso, seja destemido". " Você nunca está só, querido presidente Zelenski. Continuaremos trabalhando com você por uma paz justa e duradoura", afirmaram em postagem nas redes sociais.

A chefe da diplomacia da UE, Kaja Kallas, questionou a liderança dos Estados Unidos na longeva aliança transatlântica entre as potências europeias e Washington. "Hoje ficou claro que o mundo livre precisa de um novo líder. Cabe a nós, europeus, aceitar esse desafio", afirmou.

O chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, também expressou seu apoio à Ucrânia, afirmando que "ninguém quer a paz mais do que os cidadãos da Ucrânia. É por isso que buscamos em conjunto o caminho para uma paz duradoura e justa. A Ucrânia pode contar com a Alemanha e com a Europa."

A ministra alemã do Exterior, Annalena Baerbock, acrescentou que a "busca de Kiev por paz e segurança é nossa".

O provável futuro chanceler federal alemão, Friedrich Merz, também publicou mensagem de apoio ao presidente ucraniano: "Prezado Zelenski, estamos ao lado da Ucrânia nos momentos bons e nos momentos desafiadores. Jamais devemos nunca confundir agressor e vítima nesta guerra terrível".

"Há um agressor: a Rússia. Há um povo sob ataque: a Ucrânia. Fizemos bem em ajudar a Ucrânia e sancionar a Rússia há três anos e continuaremos a fazê-lo. Somos americanos, europeus, canadenses, japoneses e muitos outros. Obrigado a todos que ajudaram", disse o presidente francês, Emmanuel Macron, em postagem nas redes sociais. A jornalistas, o líder francês também pediu, além de gratidão aos que ajudam a Ucrânia, respeito pelos que "estão lutando desde o início".

A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, declarou: "A divisão não beneficiaria ninguém. O que é necessário é uma cúpula imediata entre os Estados Unidos, os países europeus e os aliados para falar francamente sobre como pretendemos lidar com os grandes desafios da atualidade, a começar pela Ucrânia, que defendemos juntos nos últimos anos".

A Polônia, um dos principais aliados da Ucrânia desde a invasão russa de seu território, se apressou em reassegurar seu apoio. "Caros amigos ucranianos, vocês não estão sozinhos", disse o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, em postagem no X endereçada a Zelenski.

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, disse que seu país apoiará a Ucrânia devastada pela guerra. "Ucrânia, a Espanha está com vocês", escreveu nas redes sociais. O premiê espanhol prometeu o envio de um bilhão de euros em ajuda, durante em uma visita recente a Kiev.

Dentre os líderes europeus, a única voz dissonante foi a do primeiro-ministro húngaro Viktor Orban, um dos líderes europeus mais próximos de Trump e de Putin, que agradeceu o americano por defender "bravamente a paz". "Homens fortes fazem a paz, homens fracos fazem a guerra", afirmou em postagem no X.

Europeus farão reunião de cúpula

O primeiro-ministro britânico Keir Starmer prometeu "apoio inabalável" à Ucrânia e conversou com Trump e Zelenski após a reunião no Salão Oval. Ele recebeu o líder ucraniano em Londres neste sábado, e anunciou um empréstimo no valor de 2,26 bilhões de libras esterlinas (R$ 16,75 bilhões) ao país.

Após o encontro, Zelenski disse estar satisfeito com as garantias de segurança que lhe foram oferecidas, sem dar detalhes. "Discutimos os desafios à frente da Ucrânia e de toda a Europa, a coordenação com os nossos parceiros e passos concretos para fortalecer a posição da Ucrânia e acabar com a guerra de uma forma justa, com garantias de segurança confiáveis", postou no Telegram.

No domingo, Starmer receberá Zelenski novamente, além de líderes europeus, o chefe da Otan Mark Rutte e o premiê canadense Justin Trudeau, para discutir o apoio da Europa à Ucrânia.

Possivelmente antecipando o conteúdo das discussões que ocorrerão no domingo, Macron propôs neste sábado um "diálogo estratégico" com países europeus que não têm armas nucleares – e que, por causa disso, têm acompanhado com apreensão a indiferença de Trump às ameaças de Putin em direção à Ucrânia e ao resto da Europa.

"Temos um escudo protetor, eles [os demais países europeus] não", disse Macron ao jornal Le Parisien. "E eles não podem mais depender da capacidade de dissuasão nuclear dos EUA."

Segundo Macron, oferecer proteção nuclear francesa ao resto da Europa tornaria o país "mais forte".

A França e o Reino Unido são os únicos países europeus da Otan que têm armas nucleares. Ao Journal du Dimanche, porém, Macron admitiu que a Europa precisaria de entre cinco e dez anos para ter uma capacidade de defesa independente da aliança militar, cujo poder de fogo depende enormemente dos Estados Unidos. 

Macron disse ter mantido conversas com Trump e Zelenski após o bate-boca na Casa Branca e aconselhado os dois a "voltarem à tranquilidade, ao respeito" para que "nós possamos olhar para frente, porque o que está em jogo é importante demais".

Referindo-se aos EUA, porém, o líder advertiu que quem forçasse Kiev a assinar um cessar-fogo sem garantias de segurança destruiria "no mesmo dia" sua capacidade de dissuadir atores como a Rússia e a China de atacar a soberania de outros países. Segundo Macron, se ninguém se opuser a Putin, seus próximos alvos serão "com certeza a Moldávia, e talvez a Romênia".

O chefe da Otan, Mark Rutte, disse em entrevista à emissora britânica BBC que Zelenski precisa "encontrar um jeito de restaurar sua relação" com Donald Trump e a cúpula da Casa Branca. "A Ucrânia e seus aliados devem respeitar o que o presidente Trump fez até agora pela Ucrânia."

Moscou destaca "fracasso" de Zelenski nos EUA

O Ministério do Exterior Rússia divulgou nota neste sábado afirmando que a viagem de Zelenski aos EUA foi um "fracasso", após ele ter sido publicamente repreendido por Trump.

"A visita do chefe do regime neonazista (sic), V. Zelenski, a Washington em 28 de fevereiro é um fracasso político e diplomático completo do regime de Kiev", disse a porta-voz do Ministério, Maria Zakharova, no comunicado.

Moscou frequentemente acusa a Ucrânia de abraçar o "neonazismo" e usou isso como pretexto para dar início a sua ofensiva na Ucrânia – acusação que os líderes ocidentais e Kiev consideram falsa e absurda.

"Com seu comportamento escandalosamente grosseiro durante sua estadia em Washington, Zelenski confirmou que ele é a ameaça mais perigosa para a comunidade mundial como um belicista irresponsável", disse Zakharova.

Acusando Zelenski de ser "obcecado" em continuar a luta, a porta-voz acrescentou que os objetivos militares da Rússia na Ucrânia eram "imutáveis". Moscou vem ganhando terreno no campo de batalha há mais de um ano, pressionando sua vantagem contra o exército ucraniano sobrecarregado e desarmado.

O ex-presidente russo e atual vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev, elogiou a postura americana. "Pela primeira vez, Trump disse a verdade na cara do palhaço da cocaína", afirmou.

Kirill Dmitriev, um dos negociadores de Moscou nas primeiras negociações de alto nível entre autoridades russas e americanas desde que o Kremlin enviou tropas para a Ucrânia, classificou a briga entre os dois líderes como "histórica".

Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, em coletiva de imprensa no Conselho Europeu
"Apesar do diálogo difícil, continuamos sendo parceiros estratégicos", disse Zelenski sobre a relação com os EUAFoto: John Thys/AFP

Zelenski: apoio americano é "crucial"

Em declaração divulgada neste sábado, Zelenski tentou apaziguar o clima tenso entre Kiev e Washington, ao mesmo tempo em que reforçou que seu país precisará de garantias de segurança antes de assinar qualquer acordo.

"Somos muito gratos aos Estados Unidos por todo o apoio. Sou grato ao presidente Trump, ao Congresso por seu apoio bipartidário e ao povo americano. Os ucranianos sempre apreciaram esse apoio, especialmente durante esses três anos de invasão em grande escala", escreveu.

"É crucial para nós termos o apoio do presidente Trump. Ele quer acabar com a guerra, mas ninguém quer a paz mais do que nós. Somos nós que vivemos esta guerra na Ucrânia. É uma luta pela nossa liberdade, pela nossa sobrevivência."

"Apesar do diálogo difícil, continuamos parceiros estratégicos. Mas precisamos ser honestos e diretos uns com os outros para realmente entender nossos objetivos compartilhados", prosseguiu o ucraniano.

"Estamos prontos para assinar o acordo de minerais, e será o primeiro passo em direção a garantias de segurança. Mas não é suficiente, precisamos de mais do que isso. Um cessar-fogo sem garantias de segurança é perigoso para a Ucrânia."

"Queremos paz. É por isso que vim aos Estados Unidos e visitei o presidente Trump. O acordo sobre minerais é apenas um primeiro passo em direção a garantias de segurança e para nos aproximarmos da paz. Nossa situação é difícil, mas não podemos simplesmente parar de lutar e não ter garantias de que Putin não retornará amanhã."

"A Europa está pronta para contingências e para ajudar a financiar nosso grande exército. Também precisamos do papel dos EUA na definição de garantias de segurança – de que tipo, em que volume e quando. Uma vez que essas garantias estejam em vigor, podemos conversar com a Rússia, a Europa e os EUA sobre diplomacia", concluiu.

rc/ra (Reuters, AP, DPA, AFP)