Famílias acusam colonos israelenses por mortes de palestinos
15 de julho de 2025O pátio de uma escola em Al Mazra'a ash-Sharqiya, cidade na Cisjordânia ocupada por Israel, atraiu centenas de pessoas no domingo passado (13/07) para o funeral de dois jovens, vítimas do que suas famílias descrevem como o mais recente ataque de colonos israelenses.
Sayfollah Musallet, 20 anos, cidadão americano, foi espancado até a morte, e Mohammed al-Shalabi, 23 anos, foi baleado, segundo relataram suas famílias. Moradores afirmam que os colonos bloquearam os esforços para ajudar os jovens, agredindo médicos que tentaram atendê-los.
Razek Hassan al-Shalabi, pai de Mohammed, sentou-se entre os moradores da cidade e parentes presentes na cerimônia fúnebre. "De manhã, ele havia me dito que queria se casar", disse à DW. "Ele falou sobre começar uma família e agora vamos enterrá-lo."
Do outro lado da rua, na casa dos Musallet, mulheres se reuniram para apoiar a família em seu luto. Saif, como Sayfollah era apelidado, havia chegado em junho de sua cidade natal, Tampa, na Flórida, para passar o verão com parentes na cidade, que fica cerca de 20 quilômetros a nordeste de Ramallah.
"Ele era como um irmão mais novo", disse à DW Diana Halum, prima que assumiu a função de porta-voz da família. "Viajávamos juntos, indo e voltando dos Estados Unidos para a Palestina. Ele veio aqui para visitar seus primos, seus amigos."
"Nunca imaginamos que algo tão trágico aconteceria", disse Halum. "E é também a maneira como o mataram. Quero dizer, ele foi linchado por colonos israelenses agressivos e ilegais e deixado lá por horas."
Na sexta-feira anterior, a família comunicou que médicos tentaram socorrer Musallet por três horas antes que seu irmão conseguisse levá-lo para uma ambulância, onde morreu antes de chegar ao hospital. "Este é um pesadelo inimaginável e uma injustiça que nenhuma família deveria ter que enfrentar", disse a família. "Exigimos que o Departamento de Estado dos EUA conduza uma investigação imediata e responsabilize os colonos israelenses que mataram Saif por seus crimes."
O Departamento de Estado afirma estar ciente das notícias sobre a morte de um cidadão americano na Cisjordânia. As autoridades se recusaram a comentar "por respeito à privacidade da família", mas afirmaram que o departamento está pronto para prestar serviços consulares.
"Realidade cotidiana" na Cisjordânia
O ataque ocorreu na sexta, quando os jovens participavam de uma manifestação contra a violência de colonos israelenses nos territórios palestinos ocupados e suas tentativas de confisco de terras.
Numa declaração inicial após o ataque, as Forças de Defesa de Israel (IDF) alegaram que "terroristas atiraram pedras em civis israelenses", levando a um "confronto violento" que incluiu "vandalismo de propriedades palestinas, incêndio criminoso, confrontos físicos e arremesso de pedras".
As IDF comunicaram que ao menos um palestino foi morto e vários ficaram feridos e afirmaram que o incidente seria investigado. As famílias afirmam que os corpos dos jovens apresentavam sinais de tortura.
Em resposta a uma consulta da DW, as IDF referiram-se à sua declaração anterior e acrescentaram que, "após o incidente, foi lançada uma investigação conjunta pela Polícia de Israel e pela Divisão de Investigação Criminal da Polícia Militar".
Esse foi apenas o mais recente ato de violência contra palestinos na Cisjordânia. Desde os ataques liderados pelo grupo radical palestino Hamas em 7 de outubro de 2023, no sul de Israel, e a guerra subsequente em Gaza, ataques se tornaram "uma realidade diária" também para os palestinos na Cisjordânia ocupada. De acordo com o Escritório das Nações Unidas para Assuntos Humanitários (OCHA), entre janeiro de 2024 e maio de 2025, houve mais de 2.070 ataques de colonos, resultando em vítimas e danos materiais.
Os colonos invadem regularmente aldeias ou instalam postos avançados ilegais, ocupados por ativistas extremistas, para agredir e ameaçar palestinos, muitas vezes na presença de soldados ou policiais israelenses, que não interferem. Na atual ofensiva israelensedesde o início da guerra já foram criados cerca de 80 novos postos avançados, considerados, por grupos de direitos humanos israelenses e palestinos, os principais impulsionadores da violência contra os palestinos. Esses grupos relatam que os colonos foram recrutados como reservistas.
Pequenas apropriações ilegais de terras são toleradas e até mesmo incentivadas por Israel, que ao longo dos anos converteu muitos postos avançados em assentamentos autorizados, avançando seu domínio sobre o território.
Choque, tristeza, resignação
O pai de Mohammed, Razek Hassan al-Shalabi, disse que acreditava que seu filho estava sob custódia das Forças de Defesa de Israel horas depois do ataque. Quando ele descobriu, naquela noite, que a informação estava incorreta, os moradores locais saíram à procura de Mohammed. De acordo com a família e o Ministério da Saúde palestino, eles o encontraram gravemente espancado e baleado nas costas.
Amigos dos dois jovens se reuniram na escola no sábado, em estado de choque. Iyad, que se recusou a dar seu sobrenome, disse que seu primo Saif e Mohammed faziam parte do mesmo grupo de amigos e costumavam sair juntos. "Eles eram sempre aqueles que animavam todo mundo, nunca deixavam ninguém triste, se você precisasse deles, eles estavam sempre lá", disse Iyad à DW.
Iyad, que também é palestino-americano, acredita que a violência de colonos israelenses é amparada por um senso de impunidade. Ele disse que os Estados Unidos raramente intervêm em nome das vítimas desses ataques ou de suas famílias.
"Infelizmente, isso só chamou a atenção porque Saif tem cidadania americana. Não é a primeira vez que isso acontece, vários cidadãos americanos foram mortos por cidadãos israelenses ou soldados israelenses e acho que definitivamente deveria haver uma mudança nisso e eles [o governo dos EUA] deveriam fazer algo a respeito, porque, honestamente... estou sem palavras."
Iyad, que é da Califórnia, também está de visita. "É triste que as pessoas tenham que ser cautelosas em sua própria terra, é triste que toda vez que um palestino saia de casa corra risco", disse.
Outros três jovens palestino-americanos foram mortos na Cisjordânia ocupada desde que Israel iniciou a guerra em Gaza , em outubro de 2023. Seus casos, que envolveram soldados e colonos israelenses, continuam sem solução. "Isso faz você se sentir desesperado, faz você ficar triste. Aqui na aldeia, lidamos com isso diariamente", disse Hafeth Abdel Jabbar à DW sobre os últimos assassinatos. Seu filho de 17 anos, Tawfiq, cidadão americano da Louisiana, foi baleado e morto em 2024 perto da cidade e, até agora, ninguém foi indiciado pelo crime.
"O mais louco é que nosso governo [americano] está apoiando um regime com racistas e extremistas que apoia esses colonos, que acham normal fazer isso conosco e nos tratam como se não fôssemos seres humanos. É isso que te deixa louco", disse Abdel Jabbar.
Embora o governo anterior dos EUA tenha imposto sanções a alguns colonos radicais, elas foram revogadas pelo presidente Donald Trump logo após ele assumir o cargo.
Razek Hassan al-Shalabi não acredita que, algum dia, suas muitas perguntas sobre a morte de Mohammed sejam respondidas pelas autoridades israelenses. "Não éramos apenas pai e filho", disse ele. "Éramos amigos..." Tomado pela tristeza, ele não conseguiu concluir seu pensamento.