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Como lidar com o aumento da obesidade no Brasil

Simone Machado
6 de agosto de 2025

Doença crônica já afeta um em cada quatro brasileiros. Para frear seu avanço, médicos propõem intervenções cirúrgicas e farmacólogicas mais cedo, aliadas a mudanças no estilo de vida.

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Mulheres com diferentes corpos, magros e gordos, assistem ao pôr do sol em frente a uma baía
Índice de obesidade mais que dobrou em menos de duas décadas no Brasil, segundo o Ministério da SaúdeFoto: Joa Souza/IMAGO

"A obesidade é doença e a gente não tem que tratar só as complicações dela. A gente tem que, sim, escolher os tratamentos com base nas demais condições de saúde do paciente, mas ela tem que ser tratada", diz a endocrinologista Cynthia Melissa Valério, diretora da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).

A defesa insistente de uma mudança na visão sobre a obesidade se deve, principalmente, ao aumento dos casos. Dados do painel da Obesidade do Ministério da Saúde mostram que em 2006 o país tinha 11,8% da população obesa. Em 2023, esse número saltou para 24,3%. 

A faixa etária com maior prevalência de obesidade é de 45 a 54 anos, com 32,6% de homens e 27,5% de mulheres. As estatísticas do Ministério da Saúde consideram apenas pessoas acima de 18 anos.

O Atlas Mundial da Obesidade estima que, se nada mudar, quase metade da população adulta brasileira (48%) será obesa e outros 27% terão sobrepeso até 2044. O documento, editado pela Federação Mundial da Obesidade, foi lançado neste ano.

Uma pessoa é considerada obesa quando tem IMC – peso dividido pelo quadrado da altura – acima de 30; acima de 25, fala-se em sobrepeso.

Especialistas ouvidos pela DW são categóricos em dizer que as causas estão diretamente relacionadas a mudanças no estilo de vida da população.

Médica nutróloga e cofundadora da ONG Obesidade Brasil, Andrea Pereira cita o aumento no consumo de alimentos processados e ultraprocessados, diminuição do consumo alimentos frescos e in natura, como frutas e hortaliças, e redução da atividade física diária.

Ultraprocessados já respondem por 20% das calorias ingeridas

Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) que analisou dados sobre a alimentação dos brasileiros entre os anos de 2008 e 2018 constatou um aumento de 5,5% no consumo de ultraprocessados no país nesse período.

Entre 2017 e 2018, quase 20% das calorias ingeridas pelos brasileiros já vinham desses alimentos.

Segundo o levantamento, o consumo é maior entre os seguintes grupos: adolescentes, brancos, pessoas com maior renda e escolaridade, e moradores de áreas urbanas das regiões Sul e Sudeste.

Mas foi nas regiões Norte e Nordeste, entre moradores de áreas rurais e pessoas pretas e indígenas ou com até quatro anos de estudo que o consumo aumentou em ritmo mais acelerado.

Entre os motivos que justificam esse aumento estão a facilidade de consumo, o baixo custo e o fato de alguns desses produtos, como macarrão instantâneo e biscoitos, integrarem a cesta básica brasileira até o ano passado.

Em março de 2024, o governo federal publicou um decreto proibindo a inserção desse tipo de alimento na cesta básica.

Segundo o documento, a cesta precisa ser composta por alimentos in natura ou minimamente processados, além de ingredientes culinários. Excepcionalmente, a cesta pode ser complementada com os seguintes alimentos processados: pão de sal, queijos e conservas de atum, sardinha, verduras ou legumes.

Mulher observa gôndola com produtos industrializados em supermercado
Consumo de ultraprocessados é associado por cientistas a diversos problemas de saúdeFoto: YONHAPNEWS AGENCY/picture alliance

Obesidade é doença crônica

O crescimento da obesidade no país nas últimas décadas e avanços farmacológicos recentes têm levado associações médicas a rever suas diretrizes de tratamento da doença.

Em junho, a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) anunciou a nova diretriz brasileira para o tratamento farmacológico da obesidade, com 35 orientações.

Uma das principais propostas é adotar metas mais realistas e clinicamente relevantes, como a perda de ao menos 10% do peso corporal, com foco na melhoria de comorbidades como diabetes tipo 2, hipertensão, apneia do sono e doença hepática associada à disfunção metabólica.

As abordagens anteriores miravam a redução do IMC (Índice de Massa Corporal) através da mudança no estilo de vida, que engloba melhorias na alimentação e exercícios físicos. Os medicamentos eram indicados apenas alguns anos após a adoção de um estilo de vida mais saudável, caso o paciente não conseguisse reduzir o peso e as comorbidades.

Agora, a nova diretriz prioriza a mudança do estilo de vida já aliada ao uso de medicamentos, com a individualização do tratamento.

O tratamento farmacológico passa a ser recomendado para pacientes com complicações relacionadas à obesidade mesmo com IMC abaixo de 30, considerando medidas como a circunferência da cintura e relação cintura/altura. Antes o IMC mínimo para a indicação dos medicamentos era 35.

"Não é uma receita de bolo, mas a nova diretriz é um guia clínico construído com base em evidências e voltado à realidade brasileira. Ela respeita a individualidade do paciente e valoriza a decisão compartilhada", destaca o endocrinologista Fernando Gerchman, membro do Departamento Científico da Abeso e coordenador do grupo de trabalhos para a diretriz farmacológica.

Segundo o profissional, que também atende em consultório em Porto Alegre (RS), alguns de seus pacientes estão em tratamento seguindo as novas normas e os resultados têm sido satisfatórios, com redução de peso e controle de outras doenças, como as cardiovasculares e diabetes.

Uso de canetas emagrecedoras

As mudanças de diretrizes para o tratamento da obesidade vieram em meio ao surgimento de medicamentos como os análogos do GLP-1.

No Brasil esse grupo é representado pelo Ozempic e Wegovy, que tem a semaglutida como princípio ativo e o Mounjaro, que usa a tirzepatida. Esses medicamentos só podem ser comercializados com receita médica.

"Esses fármacos demonstraram benefícios significativos em grandes ensaios clínicos. A semaglutida, por exemplo, reduziu em 20% os eventos cardiovasculares em pacientes com obesidade e histórico de doença cardíaca. Já a tirzepatida mostrou, em estudo com pessoas com pré-diabetes, uma redução de 99% na incidência de diabetes tipo 2", afirmou o diretor da Abeso, Alexandre Hohl, durante a apresentação das novas diretrizes.

Caneta emagrecedora
Canetas emagrecedoras são apontadas por médicos como possíveis aliados no tratamento da obesidade, mas viraram febre também entre pessoas que estão longe de serem obesasFoto: Jaap Arriens/NurPhoto/picture alliance

Gerchman acrescenta que ainda é necessário informar mais médicos e pacientes sobre a existência e atuação dos fármacos, e que a disseminação desse conhecimento vai contribuir para o uso no tratamento da obesidade.

"Cada vez mais é preciso conscientizar médicos e pacientes sobre a doença e os resultados alcançados com o uso de farmacológicos. Quanto mais pessoas tiverem a informação e entenderem seus efeitos, mais elas vão se sentir à vontade para usá-los", diz.

Assim como Gerchman, outros médicos ouvidos pela DW ponderam que, como todo medicamento, o uso das canetas emagrecedoras só é indicado após uma avaliação de saúde detalhada por um profissional. Eventuais riscos e contraindicações só podem ser avaliados pelo médico, considerando outras doenças além da obesidade.

Outras mudanças no tratamento da obesidade

Poucas semanas antes da divulgação da nova diretriz da Abeso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) alterou as regras para a realização de cirurgias bariátricas no Brasil, ampliando o grupo para o qual o procedimento é indicado.

Entre as principais mudanças está a indicação a adolescentes a partir de 14 anos e a pacientes com IMC acima de 30, os chamados obesidade de grau 1. Antes o IMC mínimo era 35. O procedimento de cirurgia bariátrica é usado como tratamento da obesidade e das doenças relacionadas a ela.

Além disso, também foi apresentada em junho uma nova diretriz sobre obesidade e doença cardiovascular. Ela contém 34 recomendações, entre elas a de avaliação compulsória de risco cardiovascular em pacientes adultos com sobrepeso e obesidade, independente de queixas ou sintomas, para que possam ter um tratamento direcionado.

As diretrizes também preveem o rastreio anual de hipertensão, diabetes tipo 2 e dislipidemia — condição caracterizada por alterações nos níveis de colesterol e/ou triglicerídeos no sangue, que aumenta o risco de infarto, AVC e outras complicações cardiovasculares.

O documento, que será publicado no segundo semestre deste ano, foi elaborado por cinco sociedades médicas: a Abeso, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e a Academia Brasileira do Sono (ABS). A diretriz foi apresentada durante o Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica, em Belo Horizonte. 

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