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Caso Gleisi: é preciso não confundir machismo com misoginia

Nina Lemos
Nina Lemos
18 de março de 2025

Fala de Lula sobre aparência de nova ministra foi machista, mas não pode ser comparada ao ódio misógino de gente como o deputado Gustavo Gayer e o ex-presidente Jair Bolsonaro.

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A ministra Gleisi Hoffmann e o presidente Lula
A ministra Gleisi Hoffmann e o presidente LulaFoto: Gustavo Basso/NurPhoto/picture alliance

"Me veio a imagem da Gleisi, Lindbergh e Alcolumbre fazendo um trisal. Que pesadelo”. Essa frase foi dita por um deputado federal Gustavo Gayer, no X, antigo Twitter, na semana passada.

Ele se referia a uma ministra de Estado (Gleisi Hoffman) ao presidente do Senado (Davi Alcolumbre) e a um colega parlamentar (Lindbergh Farias), que vem a ser namorado de Gleisi Hoffmann. Mas ainda piora.

Minutos antes, ele fez um post direcionado a Lindbergh, onde dizia: "E aí, Lindbergh Farias, vai mesmo aceitar o seu chefe oferecer sua esposa para o Hugo Motta [presidente da Câmara] e Alcolumbre [presidente do Senado] como um cafetão oferecendo uma GP [garota de programa]. Sua esposa sendo humilhada pelo seu chefe e você vai ficar calado?”.

Sim. Isso foi dito por um deputado federal eleito, com um passado cheio de escândalos e que agora corre o risco de ser cassado (seria o mínimo), Nesse mesmo dia, a primeira-dama Janja teve que fechar seu perfil nas redes depois de sofrer uma onda de ataques misóginos e machistas.

Essa sequência de horror começou logo depois que o presidente Lula disse na última quarta-feira (12/03) uma frase infeliz e machista no lançamento do programa de Crédito do Trabalhador. 

O trecho: "E é muito importante trazer aqui o presidente da Câmara e o presidente do Senado. Porque uma coisa, companheiros, que eu quero mudar, estabelecer uma relação com vocês. E por isso eu coloquei essa mulher bonita para ser ministra das Relações Institucionais. É que eu não quero mais ter distância entre vocês. Eu não quero que alguém ache que o presidente da República está distante do presidente da Câmara, está distante do presidente do Senado”. 

Gleisi tinha tomado posse em um cargo importantíssimo do governo apenas dois dias antes e logo teve que se deparar com tudo isso.

Esses acontecimentos provam uma coisa que a gente já sabia: ser uma mulher na política e com poder no Brasil é um pesadelo. Mais uma prova disso: no mesmo dia da posse de Gleisi, a ex-ministra da Saúde Nísia Trindade disse, ao deixar o cargo, que havia sido alvo de uma "campanha sistemática e misógina”,

Muitos dizem que a frase de Lula teria sido uma resposta irônica ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que uma semana antes havia afirmado que "petistas eram feias e incomíveis”.

Machismo x Misoginia

É surreal o nível baixo com que temos que lidar. E nesse ponto, preciso ser clara: acho que a frase de Lula (errada e machista) não pode ser comparada ao comportamento misógino de gente como Gayer e Bolsonaro.

É preciso que a gente diferencie o machismo e a misoginia. Não, as palavras não são sinônimas.

Machismo é toda aquela cadeia de pensamentos incrustada na maioria dos homens – e, em muitos casos, até em nós, mulheres, já que crescemos em uma cultura machista –, de que mulheres são objetos, de que estamos abaixo dos homens, de que nossa aparência é o mais importante e por aí vai.

Já misoginia é o ódio a mulheres. É aquele sentimento violento que se traduz em ataques, ameaças, e outras formas de violência.  A frase de Gayer, como disse Manuela D'ávila em um excelente vídeo publicado em suas redes sociais, é um exemplo didático do que é misoginia.

E logo me vem à cabeça a famosa frase do ex-presidente Bolsonaro direcionada para a deputada Maria do Rosário, de que a petista "não merecia ser estuprada" por ser "muito feia". 

Quanta violência há nisso? Dá para nivelar essa frase com Lula dizer que escolheu uma mulher bonita? Não acho. E também não penso que o presidente Lula seja um odiador de mulheres. Acho que ele é machista, assim como a maioria dos brasileiros que eu conheço. Mas, como presidente da República, ele não deveria (e não pode) deixar esse tipo de colocação machista escapar.

"Polarização”

Após a fala de Lula, as redes e a mídia foram tomadas por um debate caloroso – como costuma acontecer em tempos de redes sociais. "Ah, mas um homem não pode chamar uma mulher de bonita?”. "Ah, a frase do Lula é uma tragédia”.

E já espero que, ao publicar essa coluna, eu receba comentários do tipo: "o Lula não é machista” ou "você está passando pano”.

Não é o caso. Acho que essa sequência de fatos lamentáveis (e não me refiro apenas à fala do presidente Lula) deveria servir pra gente tentar refletir com calma.

E se paramos e olhamos toda a situação, o que vemos? Que o Brasil continua sendo um país extremamente machista e que ele não poupa quase ninguém (nem mesmo o presidente da República, um progressista).

E, além disso, que existe uma misoginia assustadora e perigosa no Parlamento e na extrema direita brasileira.

Mulheres em posições de poder e que tem uma voz costumam ser alvo das duas coisas, do machismo e da misoginia. Nas redes sociais, praticamente todos os dias, Gleisi é chamada por seus desafetos de "a amante”.

Ela já sofreu ataques na rua e por aí vai. E é triste, mas agora, como ministra, ela provavelmente vai ser alvo de ainda mais machismo e mais ataques misóginos.

Isso tudo precisa mudar. Mas é preciso ficar claro que uma coisa é machismo (péssimo) e outra coisa é a misoginia criminosa, que faz com que o crescimento da violência política contra mulheres no Brasil seja alarmante. Precisamos estar atentas.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.