Na semana passada, quando vi um vídeo que mostrava um deputado sentado como se fosse uma múmia, com os olhos, o ouvido e a boca tapados com fita adesiva em pleno Congresso Nacional, tive um ataque de riso que demorou a passar.
Como podem os deputados, que são autoridades eleitas pelo povo, agirem desse jeito? A cena seria engraçada mesmo se o indivíduo em questão fosse um "garoto birrento” do jardim de infância brincando de múmia. Como se diz por aí, a crise também é estética.
Eu ri, mas talvez tenha sido de nervoso. Afinal, o "motim", quando parlamentares aliados ao presidente Jair Bolsonaro ocuparam as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado foi, acima de tudo, revoltante e deprimente.
Os congressistas em questão protestavam contra a prisão domiciliar de Bolsonaro. Na prática, fizeram uma "chantagem", uma forma de "política" em "moda" esses dias por parte da extrema direita. É também o caso do (ainda) deputado Eduardo Bolsonaro que, morando nos Estados Unidos, vive ameaçando o Estado brasileiro.
No caso dos parlamentares, eles impediram o trabalho legislativos para promover uma lista de pedidos, incluindo uma "anistia”.
Durante as 30 horas do motim e ocupação das mesas, muita coisa ridícula aconteceu. Um grupo de parlamentares tapou a boca com adesivos e se acorrentou. O deputado Paulo Bilynskyj (PL) agrediu o jornalista Guga Noblat, do ICL Notícias. Houve xingamentos ao microfone, empurra-empurra, muitas selfies, gritos que mais pareciam de torcidas de futebol, orações e por aí vai. Uma vergonha. Uma cena perfeita do "sanatório geral”, como Chico Buarque definiu o Brasil na música Vai Passar, dos anos 80.
Olhando o Congresso Nacional, é difícil não sentir vergonha (alheia? do país? da gente mesmo?).
Comportamento
Existem deputados e deputadas sérias lá, não tenho dúvidas. Mas o comportamento desse grande grupo sem decoro e elegância faz o Brasil cair de novo no clichê de que "esse não é um país sério", mas sim uma "república das bananas" (por mais que esse termo seja problemático e preconceituoso).
É chato, mas esse vexame (mais um!) acontece em um momento em que muitos (e me incluo) sentem orgulho do país ao ver, por exemplo, o trabalho do Supremo, que vem investigando, punindo e julgando os responsáveis pelos atentados à democracia que culminaram no 8 de janeiro de 2023, quando uma horda de fanáticos invadiu os prédios da Esplanada em Brasília.
Por anos, ouvimos a frase "no Brasil tudo acaba em pizza", que se refere à impunidade, principalmente de ricos e poderosos. Agora, quando sentimos esperança de que as coisas podem não ser sempre assim, os parlamentares aprontam essa e jogam nosso orgulho no lixo.
Falta de decoro
Essa não é a primeira vez que o Congresso mostra que é uma arena que concentra boa parte do que há de pior no Brasil. Não há decoro, bom senso, nada. Há anos vemos gritaria e brigas físicas, comportamentos que seriam inaceitáveis em qualquer ambiente de trabalho.
Em abril, por exemplo, uma discussão entre os deputados Paulo Bilynskyj e Lindbergh Farias (PT) quase virou uma briga física. Outros deputados se envolveram, chegou a turma do "deixa disso" e até a Polícia Legislativa foi chamada. Imagina se você briga com um colega, todo mundo do escritório se mete, e vocês só param quando a polícia chega? Vocês seriam demitidos, certo? Nem é possível imaginar isso em um ambiente de trabalho normal.
A noite do impeachment
Um momento marcante, no qual o "horror" do Plenário da Câmara se revelou para muitos de nós, foi a votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Naquela noite de 2016, vimos deputados fantasiados, muitos dedicando votos a netos e netas, a torturadores (o então deputado Jair Bolsonaro dedicou seu voto ao coronel Brilhante Ustra e levou uma cusparada de Jean Wyllys) e por aí vai.
Assistir àquilo foi como ver um filme de terror. O "motim” mostra que esse horror continua e só piorou com a ascensão da extrema direita no Brasil.
E pensar que, quando eu era adolescente, assisti empolgada à abertura da Constituinte (que aconteceu em 1988), comandada por Ulysses Guimarães, e acreditei que aquele, no futuro, seria um ambiente sério... Quanta ingenuidade.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.