Castigada por crise política, França perde mais um premiê
8 de setembro de 2025A Assembleia Nacional da França derrubou nesta segunda-feira (08/09) o governo do primeiro-ministro centrista François Bayrou, em repúdio à política orçamentária de austeridade proposta por ele.
Sem surpresas, se for considerado o desgaste da sua posição nas últimas semanas, Bayrou perdeu uma moção de confiança no Parlamento, com 364 contrários à sua permanência e só 194 a favor.
O resultado mergulha a segunda maior economia da União Europeia (UE) numa paralisia política e econômica ainda maior. Bayrou deverá apresentar sua renúncia ao presidente Emmanuel Macron nesta terça-feira.
Bayrou foi o quarto primeiro-ministro a comandar o país em apenas 20 meses. Seu predecessor conservador, Michel Barnier, foi destituído em dezembro, após menos de cem dias de governo, devido à sua tentativa de forçar a aprovação de uma lei orçamentária.
O colapso de um novo governo minoritário aprofunda os problemas da França num momento crítico para a Europa, que busca unidade diante da guerra da Rússia contra a Ucrânia, de uma China cada vez mais dominante e das tensões comerciais com os Estados Unidos.
A nova derrocada reflete os problemas econômicos enfrentados pelo país. A França vive forte pressão para reparar suas finanças: o déficit fiscal de 2024 foi quase o dobro do limite estabelecido pela UE, de 3% de seu Produto Interno Bruto (PIB). A dívida pública francesa também aumentou e atingiu 114% do PIB, ultrapassando 3,35 trilhões de euros. Pela regras da UE, ela não pode ultrapassar 60% do PIB. Essas regras visam a estabilidade econômica da zona do euro.
A turbulência amplia o risco de novos rebaixamentos da nota de crédito francesa pelas agências de avaliação de risco. Durante sua curta gestão, de menos de 10 meses, Bayrou tentou encaixar a demanda por maiores gastos com defesa diante do descontrole do déficit fiscal. O premiê chegou a propor a diminuição de feriados nacionais e cortes de subsídios, o que desagradou o parlamento. a proposta de orçamento apresentada por ele previa uma economina de 44 bilhões de euros em 2026.
Votação une direita e esquerda
Aos parlamentares, Bayrou defendeu nesta segunda-feira que os problemas fiscais da França colocam em risco a sua própria sobrevivência. "Vocês têm o poder de derrubar o governo, mas não têm o poder de apagar a realidade. A realidade permanecerá implacável: as despesas continuarão a crescer, e o peso da dívida, já insuportável, ficará ainda mais pesado e custoso", afirmou.
A rejeição à política orçamentária uniu esquerda e ultradireita. Para Mathilde Panot, presidente do partido de esquerda França Insubmissa, Bayrou é "o último rosto de uma política ilegítima e obstinada, incapaz de suscitar a menor adesão no país". "Para vocês, o futuro não existe, pois sentem claramente que pertencem ao passado. Impopular, minoritário, detestado, o macronismo não governa mais a não ser pelo medo", disse.
Marine Le Pen, do partido de ultradireita Reunião Nacional, defendeu a dissolução da Assembleia Nacional. "Tudo leva a crer, juridicamente, politicamente e até moralmente, que a dissolução não é uma opção, mas uma obrigação", disse.
Queda pressiona mandato de Macron
A queda de Bayrou pressiona Macron a encontrar mais um chefe de governo capaz de aprovar um orçamento com o Parlamento, enquanto crescem também as tensões sociais.
Na semi-presidencialista França, o presidente depende de um primeiro-ministro aprovado pelo Parlamento para assegurar a governabilidade.
Macron, até agora, descarta uma nova dissolução do Parlamento e convocação de eleições, como fez em junho do ano passado. O pleito antecipado de 2024 resultou num Parlamento ainda mais dividido.
Na ocasião, a própria aliança de Macron, já sem maioria desde 2022, perdeu ainda mais cadeiras, enquanto o Reunião Nacional emergiu como o maior partido, ainda que isolado. Uma coligação instável de partidos de esquerda conquistou o maior bloco. Nenhum campo possui ao menos 289 cadeiras para formar um governo de maioria.
Apesar da dificuldade de aprovar projetos de interesse do seu governo, Macron tem defendido que pretende seguir no cargo até o fim oficial de seu mandato, em 2027. Após a votação que selou a queda de Bayrou, parlamentares defenderam que o presidente também deixe o posto.
Macron busca novo premiê
Após os fracassos de um conservador e de um centrista como primeiros-ministros, observadores acreditam que Macron vá buscar agora um candidato das fileiras do Partido Socialista (PS) francês, membro da coligação de esquerda, a Nova Frente Popular.
A ideia havia sido anteriormente descartada pelo presidente. Qualquer candidato desse perfil precisaria forjar uma delicada aliança com o bloco liberal, que se opõe à propostas de tapar os buracos nas finanças do país por meio do aumento dos impostos para os mais ricos. Também teria de convencer a direita moderada a tolerar mais um governo minoritário.
Laurent Wauquiez, líder parlamentar do partido conservador Os Republicanos (LR), sinalizou que não pediria a destituição de um primeiro-ministro do PS. O chefe do LR e ministro do Interior, Bruno Retailleau, no entanto, discorda. "De forma alguma aceitaremos um primeiro-ministro socialista", disse Retailleau no domingo.
gq/as (Reuters, AFP, OTS)