Bolsonaro condenado a 27 anos de prisão por trama golpista
Publicado 11 de setembro de 2025Última atualização 12 de setembro de 2025O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quinta-feira (11/09) o ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão por golpe de Estado, organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
A decisão inédita na história do judiciário brasileiro ocorre dois anos e oito meses após uma turba de manifestantes invadir e depredar a Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Quatro ministros da Primeira Turma do STF entenderam que Bolsonaro foi responsável não apenas por insuflar seus apoiadores a rejeitarem o resultado das urnas, mas também por liderar um plano orquestrado para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outras autoridades, propagar desinformação sobre o sistema eleitoral, instituir uma intervenção militar e se manter no poder após sua derrota na eleição presidencial de 2022.
Votaram pela condenação Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Isolado, Luiz Fux apresentou divergência, pediu nulidade do processo e inocentou Bolsonaro.
STF estipula 27 anos e três meses de prisão
No cálculo da pena, Moraes considerou como agravante o fato de Bolsonaro ter sido tomado como líder da trama golpista, e citou as condições de culpabilidade, circunstância e consequências do crime como desforáveis ao réu. A idade do ex-presidente, porém, levou à atenuação do cálculo.
Do total, 2 anos e 9 meses são em regime de detenção. A prisão deve se iniciar em regime fechado e não tem efeito imediato, já que a execução só ocorre após trânsito em julgado.
A defesa de Bolsonaro ainda pode apresentar embargos de declaração acusando contradição ou omissão dos magistrados. O recurso é avaliado pela mesma Primeira Turma e raramente leva à extinção da condenação.
A decisão poderia subir ao Plenário da Corte se houvesse mais de dois votos divergentes do relator, o que não ocorreu. Juristas discutem, porém, a possibilidade de a defesa questionar a dosimetria da pena no colegiado de 11 ministros.
Bolsonaro segue recluso em prisão domiciliar, investigado por tentativa de obstrução da Justiça. Os advogados também podem solicitar a prisão domiciliar "humanitária" do ex-presidente por motivos de saúde, emulando decisão de Moraes a respeito do também ex-presidente Fernando Collor.
Em nota, os advogados de Bolsonaro manifestram "indignação" sobre a decisão, disseram que as penas fixadas "são absurdamente excessivas e desproporcionais" e afirmam que entraram com recursos, inclusive no âmbito internacional.
"Não podemos deixar de dizer, com todo o respeito, que a falta de tempo hábil para analisar a prova impediu a defesa de forma definitiva", escreveram.
Oito réus condenados, incluindo militares
Além de Bolsonaro, também foram condenados outros sete réus que compõem o núcleo crucial da trama golpista. Para os magistrados, eles articularam o plano Punhal Verde e Amarelo, fomentaram manifestações antidemocráticas, cooptaram as Forças Armadas e órgãos de inteligência e usaram sua posição no governo para minar o exercício dos poderes constitucionais.
São eles:
- Tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Braço direito do ex-presidente, esteve presente em diversas reuniões que levaram à arquitetura do plano de golpe. Sua delação foi peça principal para a denúncia da PGR. Condenado a 2 anos de prisão em regime aberto, segundo acordo de delação.
- General Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-vice na chapa de Bolsonaro em 2022. Articulador da trama golpista e responsável pelo plano para assassinar autoridades. Condenado a 26 anos prisão.
- Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Utilizou a estrutura da Abin para espionar opositores e favorecer os interesses políticos de Bolsonaro. Ramagem foi condenado a 16 anos de prisão somente pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
- Almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha. Apoiou planos de intervenção militar e ajudou a elaborar minuta golpista. Condenado a 24 anos de prisão.
- General Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Representava a face "institucional" do golpe dentro do governo, conferindo legitimidade militar às conspirações. Condenado a 21 anos de prisão.
- General Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa. Integrou o núcleo militar que apoiou a narrativa de fraude eleitoral e usou seu cargo para realizar pressão institucional. Condenado a 19 anos prisão.
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça. É acusado de ter se omitido no 8 de janeiro de 2023, quando comandava a segurança do Distrito Federal e bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Foi em sua casa que a PF encontrou a minuta de um decreto para instaurar um estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Condenado a 24 anos de prisão.
Outras sanções também foram aplicadas, como a perda de mandato de Ramagem, e a inelegibilidade dos réus por oito anos. Veja as penas completas aqui.
Como votou cada magistrado
Relator do processo, Moraes concluiu que os réus "praticaram todas as infrações penais imputadas pela Procuradoria-Geral da República". Segundo ele, as investigações apontaram "não haver nenhuma dúvida de que houve tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito" liderada por Bolsonaro.
"Jair Bolsonaro exerceu o papel de líder da organização criminosa, utilizando-se da estrutura do Estado brasileiro para implementação do projeto autoritário de poder", declarou.
Em sua manifestação, Dino também acatou a tese da PGR na íntegra, detalhou a participação de todos os acusados e se manifestou pela condenação dos oito réus. Para o ministro, houve atos executórios para realização da tentativa golpista.
"Não se cuidou de mera cogitação. Não se cuidou de meras reflexões, que foram indevidamente postas em agendas, cadernos e folhas", afirmou.
A ministra Cármen Lúcia endossou a posição de que Bolsonaro praticou tais crimes na condição de líder da organização criminosa. "Diferente do alegado, ele não foi tragado para o cenário das insurgências. Ele é o causador, ele é o líder de uma organização", disse.
Fux foi o único a divergir dos demais colegas do órgão. Ele pediu a nulidade do processo e a absolvição de Jair Bolsonaro de todos os crimes, afirmando que não há provas para aceitar acusações contra o ex-presidente.
Para o ministro, a PGR "adotou uma narrativa desprendida dos fatos". Fux classificou como "ilações" da PGR a afirmação de que teria havido uma ligação de Bolsonaro com os golpistas que depredaram a sede do Supremo, o Congresso e o Palácio do Planalto. O ministro também discordou da acusação de que o ex-presidente foi responsável pela propagação de ataques ao sistema eleitoral.
Por outro lado, pediu a condenação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, e do general da reserva Walter Braga Netto.
Último a votar, o presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, acredita que a trama não se concluiu na cogitação do golpe, mas em ações voltadas para a permanência de Bolsonaro no poder.
"Primeiro, pela tentativa frustrada de coatar a atuação do Judiciário e de interferir nas eleições. Depois, por meio de atos de força que viabilizassem como estopim a deflagração de uma resposta institucional armada com apoio das Forças Armadas e manutenção do grupo no poder", afirmou.
"Compreendo que a PGR teve êxito em demonstrar que os discursos públicos do ex-presidente não representaram exercício regular do direito de crítica, mas uma estratégia de corrosão progressiva da confiança pública nas instituições democráticas como afirmado na peça ministerial", continuou.
Dos ataques às urnas à condenação
Os magistrados acataram a tese da Procuradoria-Geral da República (PGR) e o voto do relator Alexandre de Moraes de que a ação criminosa do ex-presidente e de outros sete réus – o núcleo crucial da trama golpista – se iniciou já em julho de 2021, quando Bolsonaro realizou uma live para questionar o sistema eleitoral brasileiro e acusar fraude no pleito em que ele mesmo saiu vencedor.
Na ocasião, apoiadores de Bolsonaro já pediam intervenção militar no país. Naquele ano, além de inaugurar ataques diretos às urnas eletrônicas, o ex-presidente subiu o tom em suas críticas contra o STF e sugeriu que Alexandre de Moraes deveria "se enquadrar ou pedir para sair".
A queda de braço entre bolsonaristas e ministros do Supremo já havia ganhado fôlego nos dois anos anteriores, quando foram abertos os inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, que miraram ataques ao Judiciário e pedidos de intervenção militar.
Em julho de 2022, durante uma reunião ministerial, Bolsonaro instou seus ministros a agirem antes da eleição presidencial daquele ano para evitar um cenário caótico no Brasil.
No mesmo mês, convocou embaixadores ao Palácio do Alvorada, exaltou as Forças Armadas e repetiu clamores contra as urnas eletrônicas. Para Moraes, tais situações estabeleceram o interesse público de Bolsonaro de subverter o futuro resultado da eleição, caso não saísse vencedor.
As consequentes investigações iniciadas após o ataque à Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, e a delação premiada do ex-ajudantes de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, mostraram que um círculo de militares e assessores do ex-presidente articularam um golpe de Estado, desdobrado em diversos núcleos.
O plano envolvia o descrédito ao sistema eleitoral, o financiamento de manifestações antidemocráticas, a minuta de um decreto de um estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e a prisão ou assassinato de autoridades, entenderam os magistrados. A Agência Brasileira de Inteligência também foi usada para investigar desafetos de Bolsonaro;
Diversas reuniões e trocas de mensagens entre os membros do núcleo crucial da trama golpista indicam que a articulação chegou a ser colocada em prática, mas esbarrou em resistências dentro das Forças Armadas.
"A organização criminosa já iniciava os atos executórios para se manter no poder independentemente de qualquer coisa e para afastar o controle judicial previsto constitucionalmente. [...] A reunião ministerial agravou a atuação contra o Estado Democrático de Direito. Tudo isso constou da minuta do golpe. Prisões, fechamento do TSE, gabinete pós-golpe", disse Moraes em seu voto.
Reações
Após a condenação, o presidente do PT, Edinho Silva, celebrou o resultado do julgamento. "Quem atenta contra o Estado democrático de Direito deve responder por seus atos. Ninguém está acima da lei", afirmou Edinho. Já a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), disse que a condenação mostra "o vigor da democracia e da soberania nacional".
Por outro lado, o senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do ex-presidente, criticou o resultado. "A pretexto de defender a democracia, os pilares da democracia foram quebrados para condenar um inocente que ousou não se curvar a um ditador chamado Alexandre de Moraes", escreveu na rede X. Flávio também afirmou que pretende, junto com aliados, buscar a aprovação de uma anistia no Congresso.
O julgamento também teve repercussão nos EUA. Pouco depois da condenação de Jair Bolsonaro, o governo dos EUA sinalizou que pretende impor mais retaliações contra o Brasil.
Em mensagem publicada na rede X, o secretário de Estados dos EUA, Marco Rubio,chamou o julgamento do aliado brasileiro de "caça às bruxas" e disse que a Casa Branca vai “responder de forma adequada”. Rubio também chamou o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo contra Bolsonaro, de "violador de direitos humanos".
"As perseguições políticas por parte do violador de direitos humanos Alexandre de Moraes continuam, uma vez que ele e outros membros do Supremo Tribunal Federal do Brasil decidiram injustamente prender o ex-presidente Jair Bolsonaro. Os Estados Unidos responderão de forma adequada a esta caça às bruxas", escreveu Rubio.
jps/gq (DW, OTS)