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Vencedor da eleição alemã mira ONGs antiultradireita

26 de fevereiro de 2025

Durante a campanha, grupos como "Vovós contra a Direita" e Greenpeace protestaram contra a AfD. Agora, conservadores da CDU/CSU questionam "neutralidade" de entidades que receberiam verba pública. Atitude é criticada.

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Idosos segurando placas contra a ultradireita durante protesto pró-Democracia em Hannover. Alguns erguem placas da entidade "Vovós contra a direita"
"Vovós contra a Direita" é um dos grupos alvo dos conservadores, que argumentam que verba pública não pode financiar política partidáriaFoto: Bernd Günther/IMAGO

A aliança conservadora União Democrata Cristã (CDU)/União Social Cristã (CDU) está sob críticas por ter deflagrado uma ofensiva contra organizações da sociedade civil apenas um dia após vencer as eleições na Alemanha.

Na segunda-feira (24/02), a bancada encaminhou no parlamento mais de 500 perguntas ao governo do social-democrata Olaf Scholz sobre a "neutralidade política" de ONGs que receberiam verba pública.

Durante a campanha eleitoral, entidades como o "Vovós contra a Direita" (Omas gegen Rechts) e o Greenpeace convocaram para protestos após os conservadores tentarem, no final de janeiro, aprovar um projeto para restringir a vinda de refugiados com apoio da bancada do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD). Centenas de milhares de pessoas foram às ruas no país.

Os conservadores querem saber, entre outras coisas, quanto dinheiro público a associação "Vovós contra a Direita" recebe e se o grupo – que se autodenomina suprapartidário – está "ligado diretamente a partidos ou atores políticos específicos".

"A questão da neutralidade política de organizações financiadas com dinheiro público provoca cada vez mais debates na atualidade. O motivo são protestos contra a CDU, em parte organizados ou apoiados por entidades sem fins lucrativos ou organizações financiadas com dinheiro público", consta do documento protocolado no parlamento.

Avenida cheia de pessoas em protestos contra a ultradireita em Berlim
Em Berlim, manifestações em defesa do "cordão sanitário" contra a AfD atraíram centenas de milhares de pessoasFoto: Sebastian Gollnow/dpa/picture alliance

Os conservadores questionam "até que ponto entidades sem fins lucrativos" que recebem verba pública podem "atuar politicamente, no sentido partidário", e vê nos protestos uma tentativa de influenciar politicamente as eleições.

O questionário menciona também organizações como o site de checagem de fatos Correctiv; a Fundação Amadeu Antonio, que luta contra o antissemitismo, o racismo e o extremismo de direita; e um grupo que se engaja pela promoção da diversidade em redações jornalísticas na Alemanha, por exemplo mediante a contratação de profissionais imigrantes.

"Querem intimidar vozes incômodas"

O questionário dos conservadores foi criticado não só por partidos que farão oposição a ele como também pelo Partido Social Democrata (SPD) de Scholz, principal cotado para integrar a nova coalizão de governo, e de quem os conservadores dependem para formar maioria no parlamento – caso não queiram depender da AfD.

Chefe do SPD, o deputado Lars Klingbeil disse que a ação é um "jogo sujo" para constranger ONGs que defendem a democracia, e sinalizou que condutas do tipo podem prejudicar a formação de uma coalizão. Klingbeil disse não poder imaginar "sentar-se de manhã para discutir juntos sobre investimentos nas Forças Armadas, na rede ferroviária e na infraestrutura" apenas para descobrir, à tarde, "que a União está enviando esses questionários". 

A deputada Clara Bünger, do partido minoritário de oposição A Esquerda, chamou o questionário de "vingança" contra "protestos antifascistas": "Lembra Estados autoritários, e é muito preocupante, dado que a União provavelmente liderará o próximo governo."

O eurodeputado verde Sergey Lagodinsky falou em "ataque à sociedade civil" e "clima quase trumpista" – Donald Trump, nos EUA, tem cortado repasses de verbas do governo americano alegando que esses recursos teriam sido usados pela gestão anterior para fazer proselitismo político.

"Tudo aqui leva a crer que estão querendo intimidar partes da sociedade civil", disse Britta Hasselmann, líder verde no parlamento alemão.

"Um dia depois das eleições, a CDU/CSU se volta contra a sociedade civil", afirmou a ONG Anistia Internacional, de defesa dos direitos humanos. Segundo o grupo, os conservadores estão acusando entidades de forma generalizada de serem uma "fachada financiada com dinheiro público para a promoção indireta de política".

A Foodwatch, uma das organizações citadas no questionário, negou ter envolvimento com os protestos. "O fato de a Foodwatch aparecer nessa lista aparentemente arbitrária de organizações, embora não estivéssemos de forma alguma envolvidos nos protestos contra o extremismo de direita, mostra: a União quer intimidar vozes incômodas", disse o diretor Chris Methmann.

Conservadores defendem questionário

Vice-líder da bancada conservadora no parlamento, Mathias Middelberg defendeu o questionário argumentando que o engajamento na sociedade civil é "indispensável e digno de financiamento", mas que "engajamento financiado com verba pública não pode ser usado para fazer política partidária".

Segundo Middelberg, o parlamento tem o dever de fiscalizar o uso correto do dinheiro do contribuinte.

O governo federal, que continuará interinamente sob Olaf Scholz até a formação de uma nova coalizão, disse que o questionário será respondido o mais rápido possível pelo Ministério das Finanças, e que apoia "apenas programas e projetos que defendem a ordem liberal-democrática, e que comprovem isso".

Placa confeccionada por manifestante mostra o líder conservador Friedrich Merz "cavalgando" a logo do partido de ultradireita AfD
Placa exibida por manifestante em Berlim mostra o líder conservador Friedrich Merz "cavalgando" a logo do partido de ultradireita AfDFoto: Annegret Hilse/Reuters

Críticos viram colaboração com a ultradireita

Os protestos na Alemanha que irritaram os conservadores foram uma resposta a um projeto para restringir a migração de refugiados apresentado pelo deputado Friedrich Merz, que deve substituir Scholz na chefia do governo alemão.

Merz foi acusado de violar um acordo entre os partidos tradicionais para manter a ultradireita isolada no parlamento, aceitando deliberadamente os votos da AfD – mesmo sabendo que sua proposta não teria apoio de outros partidos. A atitude foi criticada até mesmo por correligionários dele, como a ex-chanceler federal Angela Merkel.

Em 2024, após o colapso da coalizão de governo de Scholz, Merz havia proposto um pacto aos colegas social-democratas e verdes no poder: só colocar decisões em pauta no plenário que tiverem sido acordadas previamente entre os três partidos. A intenção, segundo Merz, seria evitar a formação no parlamento de "uma maioria por acidente ou realmente intencional" com ajuda da AfD.

Em janeiro, semanas antes de apresentar o projeto anti-imigração no parlamento, ele voltou a descartar categoricamente qualquer cooperação com a AfD. "Não cooperamos com um partido que é xenófobo, antissemita; que tem radicais de direita em suas fileiras, criminosos; um partido que vê a Rússia com bons olhos e que quer abandonar a Otan e a União Europeia", afirmou.

A AfD é acusada de dar guarida a simpatizantes do nazismo e é investigada pelas autoridades alemãs por suspeita de promover uma agenda incompatível com o Estado democrático de direito. Três de seus diretórios regionais – na Turíngia, Saxônia e Saxônia-Anhalt – são oficialmente considerados "extremistas". O termo tem peso jurídico na Alemanha porque implica o uso de espionagem para obtenção de informações que possam eventualmente levar ao fechamento de órgãos do partido ou mesmo à proibição do partido como um todo.

O projeto de Merz, apresentado em plena campanha eleitoral após uma série de ataques cometidos por imigrantes na Alemanha, acabou não prosperando por falta de votos suficientes. À época, ele chegou a declarar que "não se importava" com quem apoiava a iniciativa. Depois, o conservador culpou os demais partidos que boicotaram a votação, e voltou a repetir que não fará alianças com a ultradireita.

Em reação ao episódio, centenas de milhares de pessoas saíram às ruas na Alemanha nos dias seguintes para protestar contra o que classificaram como rompimento do "cordão sanitário" contra a AfD. Parte dos protestos ocorreu também em frente a escritórios da CDU e da CSU.

A atitude de Merz foi apontada por alguns analistas políticos na imprensa alemã como uma das explicações para o salto nas pesquisas de intenção de voto do partido A Esquerda – que, ao antagonizar com os conservadores, acabou conquistando 8,8% dos votos na eleição e garantindo bancada no parlamento.

 ra (dpa, AFP, ots)