A megabarragem da Etiópia que preocupa o Egito e o Sudão
8 de setembro de 2025A Grande Barragem da Renascença Etíope (GERD, em inglês), que começou a ser construída em 2011 pela Etiópia, será inaugurada oficialmente nesta terça-feira (09/09). Com 1.800 metros de largura, 145 metros de altura e capacidade para armazenar até 74 bilhões de metros cúbicos de água num reservatório maior que a área da cidade de Londres, a enorme estrutura é o maior projeto hidroelétrico da África.
A barragem no Nilo Azul, um dos principais afluentes do Nilo, já opera desde o início de 2022, e a expectativa é que o projeto dobre a capacidade de produção de eletricidade da Etiópia com a produção de mais de 5 mil megawatts (MW) – capacidade equivalente a pouco menos de um terço da Usina de Itaipu.
Cerca de metade da população de 135 milhões do país não tem acesso confiável à eletricidade, deixando muitos dependentes da queima de materiais poluentes, como madeira, carvão e gás.
Mas as águas do Nilo Azul são vitais também para os países a jusante, o Egito e o Sudão – e cada vez mais escassas. Um estudo de 2019 publicado na revista Earth's Future constatou que, até 2030, a demanda anual por água na Bacia do Nilo poderá exceder a oferta.
Egito e Sudão se opuseram ao que chamaram de "medidas unilaterais" da Etiópia para controlar o fluxo do rio, temendo os efeitos sobre a oferta de água, e pediram uma gestão conjunta do rio. Os dois países afirmaram que a megabarragem viola o direito internacional e representa uma ameaça à estabilidade regional.
O primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, tentou minimizar essas preocupações e enfatizou que a DRGE não é uma ameaça a egípcios e sudaneses. Segundo ele, a nova barragem ajudará a controlar as inundações catastróficas que atingem regularmente o leste do Sudão e gerará eletricidade para exportação no Chifre da África, impulsionando assim os planos de desenvolvimento regional da União Africana.
A Etiópia vê o projeto de 4 bilhões de dólares como uma oportunidade para se tornar o principal exportador de eletricidade da África e já assinou contratos de eletricidade com o Quênia, o Sudão e o Djibuti. Negociações estão em andamento com outros países vizinhos.
Energia versus irrigação
O Sudão, a apenas 15 quilômetros da GERD, será o primeiro país a sentir os efeitos da barragem – sejam bons, sejam ruins. Milhões de sudaneses, que já sofrem os efeitos de uma guerra civil, de uma crise humanitária e do aumento da seca e da desertificação, dependem do rio para obter água potável e para a agricultura.
Além disso, a segurança é uma questão fundamental. "O Sudão enfrenta riscos muito reais porque está imediatamente a jusante da barragem", observa o pesquisador Kevin Wheeler, da Universidade de Oxford. Embora a GERD ajude a regular as enchentes, o Sudão vai querer garantir que o lado etíope não libere muita (ou pouca) água de uma só vez.
Depois de atravessar o Sudão, o Nilo Azul se junta ao Nilo e segue para o norte, em direção ao Egito, que depende do rio para cerca de 90% de sua água. O crescimento populacional e a crescente escassez de água tornam cada gota importante, mas Wheeler ressalva que a geração de eletricidade pela GERD é, na verdade, do interesse do Egito, pois significa que, depois de passar pelas turbinas geradoras, a água continuará a fluir rio abaixo em vez de permanecer na Etiópia para ser usada na irrigação.
Wheeler diz que o principal problema do governo egípcio com a GERD é a decisão da Etiópia de construí-la sem antes chegar a acordos com os países vizinhos. "O Egito está compreensivelmente preocupado em estabelecer um precedente para futuros empreendimentos hídricos", diz.
Desde que a Etiópia iniciou a construção da barragem, em 2011, Egito e Sudão têm pressionado por um acordo juridicamente vinculativo para garantir o fluxo de água, a coordenação operacional e medidas de segurança, além de um mecanismo legal para a resolução de disputas. Mas todas as tentativas de se chegar a um acordo ao longo dos anos fracassaram.
"A disputa pela água tem uma história de quase um século e, portanto, é profundamente emotiva, não apenas entre as lideranças políticas dos respectivos países, mas também entre as populações", observa o pesquisador Tobias Zumbrägel, da Universidade de Heidelberg, na Alemanha. "Isso naturalmente dificulta qualquer acordo."
A GERD, que Zumbrägel classifica de um projeto de prestígio com forte simbolismo de construção de nação e orgulho nacional, é apenas a primeira de uma série de possíveis hidrelétricas que a Etiópia planeja para o Nilo Azul. O governo em Adis Abeba também está considerando usar parte da água do rio acima da GERD para irrigação.
Potencial hidrelétrico excepcional
Embora a Etiópia tenha potencial para outras formas de energia renovável, como a eólica e a solar, faz sentido que o país explore seu "potencial hidrelétrico excepcional" com o projeto GERD, diz Zumbrägel, pois a energia hidrelétrica oferece estabilidade de rede e permite a exportação de eletricidade de uma maneira que a energia solar e a eólica não conseguem oferecer sem armazenamento em larga escala.
"É realmente uma escala diferente de produção de energia", diz Wheeler. "E tudo é gerado num único local. Se for espalhado [como no caso das energias eólica e solar], haverá problemas de manutenção muito mais complexos."
Porém, os efeitos da mudança climática (chuvas imprevisíveis, secas prolongadas e aumento das temperaturas) podem tornar a geração de energia hidrelétrica mais imprevisível nas próximas décadas. Mas Wheeler ressalva que esse pode não ser o caso da Etiópia, com a maioria das projeções para a bacia do Nilo mostrando um aumento na precipitação média, possivelmente intercalado com períodos mais longos de seca.
Pesquisadores climáticos disseram que a GERD e a Represa Alta de Assuão, no Egito, construída no século 20 para controlar a irrigação e gerar eletricidade, poderiam até mesmo ajudar a mitigar alguns efeitos da mudança climática se operadas em conjunto. As taxas de evaporação no Planalto da Etiópia são muito menores do que no clima árido e desértico do Egito, e se ambos os reservatórios funcionarem em conjunto, podem garantir água suficiente para suas respectivas necessidades.
"O papel das represas pode se tornar muito importante, assim como a Represa Alta de Assuão gerencia as secas no Egito. Qualquer represa dentro do sistema ajudará a gerenciar o risco de vários anos de seca para os países a jusante", diz Wheeler, explicando que a água armazenada na Etiópia poderia ser liberada para ajudar o Egito e o Sudão em tempos de escassez.
Porém, uma questão seria a rapidez com que a Etiópia reabasteceria o reservatório da GERD, se ele tiver sido esgotado pela seca, para reiniciar a geração de eletricidade, pois um reabastecimento rápido possivelmente prolongaria as condições de seca rio abaixo.