"É preciso um Conselho Constitucional sem amarras políticas"
27 de maio de 2025A Assembleia da República de Moçambique elegeu esta terça-feira (27.05), por unanimidade, Alberto Nkutumula como juiz conselheiro do Conselho Constitucional, em substituição de Mateus Saíze.
Nkutumula tem uma forte ligação ao partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). A DW questionou Ivan Maússe, investigador do Centro de Integridade Pública (CIP), sobre se esta foi uma oportunidade perdida para reforçar a independência do Conselho Constitucional.
Após as últimas eleições gerais, em outubro, face a várias alegações de fraude, os juízes do Conselho Constitucional foram alvo de duras críticas, embora o órgão tenha recusado as acusações de parcialidade. Ainda assim, o Presidente moçambicano, Daniel Chapo, prometeu reformas para tornar o sistema judicial mais independente, incluindo transformar o Conselho em Tribunal Constitucional.
Em entrevista à DW, o investigador Ivan Maússe defende a profissionalização do Conselho Constitucional, mas considera que o desafio poderá estar na ética de quem é nomeado.
DW África: Considera que este é o momento mais adequado para a nomeação de Alberto Nkutumula, tendo em conta a sua forte ligação ao partido FRELIMO?
Ivan Mausse (IM): Primeiro, é preciso considerar que a indicação de Alberto Nkutumula para o cargo de juiz conselheiro do Conselho Constitucional resulta da vacatura deixada por Mateus Saíze, que foi nomeado para o cargo de ministro da Justiça. Num contexto como este, em que o Conselho Constitucional deve funcionar com sete juízes, era necessária nomear alguém para ocupar aquele cargo.
Agora, em relação à pessoa indicada, é preciso considerar que a vacatura deixada por Mateus Saíze, na verdade, deveria ser preenchida por alguém que advém do Parlamento, mas indicado pelos deputados da Assembleia da República, de acordo com a proporcionalidade dos deputados lá existentes. Neste caso em concreto, temos uma situação em que o partido FRELIMO, que é o partido maioritário na Assembleia da República, tem mais poder para indicar um juiz conselheiro para poder ocupar aquele cargo.
DW África: O Conselho Constitucional tem sido acusado de estar politizado. Que leitura faz disso num momento em que o sistema eleitoral moçambicano está a ser amplamente debatido?
IM: O que é unânime na opinião pública moçambicana, sobretudo entre os vários estudiosos da área jurídica, é que é necessário que o Conselho Constitucional se torne um órgão profissionalizado. Isso significa que o Conselho Constitucional deveria ser uma entidade em que os indicados ou nomeados como juízes conselheiros não o sejam com base na confiança política conferida pela Assembleia da República. Poderiam ser nomeados por carreira, seriam indivíduos que, de alguma forma, não teriam amarras políticas, não tomariam decisões com base em favoritismos partidários nem procurariam agradar a quem os nomeou.
Mas não digo que esta solução seja cabal, porque o grande problema que temos em Moçambique é o compromisso que cada pessoa tem em relação ao juramento que faz quando toma posse. Para mim, é mais um problema ético do que necessariamente um problema político-partidário.
DW África: Esta nomeação representa, na sua opinião, uma oportunidade perdida para reforçar a independência do Conselho Constitucional?
IM: Eu penso que sim, porque é um debate quase maduro: É preciso que o Conselho Constitucional não seja um órgão político, mas jurisdicional. Porque, na atual composição que temos, é uma entidade que, para além de ser jurisdicional, é política.
Naquelas questões que deve decidir quando, por exemplo, não existe um quadro legal, o Conselho Constitucional pode muito bem estabelecer jurisprudência, com força obrigatória. Então, num contexto em que temos uma entidade que pode decidir fora daquilo que a lei estabelece, ou para além daquilo que a lei estabelece, é necessário que seja um Conselho Constitucional composto por indivíduos que não tenham nenhum vínculo político ou qualquer tipo de compromisso político.
DW África: Como interpreta o perfil e o percurso político de Alberto Nkutumula à luz da função que agora irá desempenhar?
IM: É uma questão amplamente conhecida que Alberto Nkutumula é membro do partido FRELIMO e já ocupou vários cargos políticos: Foi vice-ministro da Justiça e ministro da Juventude e Desportos. No entanto, apesar dessa sua ligação político-partidária, temos de assumir que existe uma legislação que tem de cumprir e um conjunto de deveres profissionais.
O que esperamos, de facto, é que ele assuma esses compromissos estatutários que resultam da lei e faça o seu trabalho, tendo em conta o que a legislação estabelece, e não se deixe pressionar por qualquer tipo de compromisso político ou por tentativas de agradar a quem o nomeou.