"Olhei para o espelho e vi o meu rosto desfigurado"
24 de abril de 2025É uma das últimas vítimas da violência pós-eleitoral em Moçambique. Alcina Nhaume tem a vida em suspenso. Foi vítima de uma bala, supostamente disparada por um agente Unidade de Intervenção Rápida (UIR), que lhe atingiu a mandíbula e desfigurou o rosto.
O caso de Alcina revoltou a sociedade civil moçambicana. O Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD) anunciou ter apresentado queixa contra a polícia.
Mas o maior desejo de Alcina, neste momento, é conseguir tratamento no estrangeiro.
"Quando olhei para o espelho, vi o meu rosto totalmente desfigurado. Tinha perdido os dentes e o queixo parecia prestes a cair".
5 de março parecia um dia como todos os outros para Alcina Nhaume, uma jovem moçambicana de 30 anos, costureira de profissão. No seu ateliê, na capital Maputo, ela concentrava-se em terminar um vestido de noiva quando a violência pós-eleitoral entrou pela sua porta.
Sem perceber o que se passava nas ruas, Alcina foi subitamente alvejada no rosto.
"O que me veio à cabeça foi, meu Deus, o que vem a ser isto? E só me apercebi que era uma bala quando sai em busca de ajuda e percebi que era a polícia", contou à DW.
Luta dolorosa
A jovem diz que saiu em busca de socorro e os agentes da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) permaneceram impávidos perante a situação. Ignoraram os apelos por ajuda imediata.
Foi por esforço da própria família que Alcina chegou ao Hospital Central de Maputo, onde foi submetida a uma cirurgia de emergência. Desde então, trava uma luta dolorosa.
Durante cerca de um mês, Alcina não conseguiu comer nem falar. Agora, aguarda a possibilidade de tratamento no estrangeiro para reconstrução facial e reposição de órgãos perdidos.
O irmão Boaventura Nhaume descreve o impacto na família."Estamos abalados, chocados, e ainda estamos a tentar perceber o que e que aconteceu e como vai ser, porque as sequelas ainda estão bem visíveis e a ferida está muito grande."
Com o seu trabalho como costureira, Alcina contribuía para o sustento da família. Desde a tragédia, não pode trabalhar, internada no hospital, com a vida suspensa.
A família vive um misto de dor e revolta, não só pela violência brutal, mas também pelo silêncio das autoridades.
"Temos um sentimento de revolta, porque pelo menos devia haver uma responsabilização ou tentar chegar perto da família para perceber o que terá acontecido e providenciar apoio neste processo."
Alcina Nhaume é uma das centenas de vítimas da repressão violenta da polícia durante as manifestações pós-eleitorais em Moçambique, num contexto de profunda crise política e social.
No mesmo dia em que ela era baleada no seu ateliê, no centro da cidade, o Governo e partidos políticos assinavam um acordo para um diálogo nacional inclusivo.