Venâncio Mondlane: “Trata-se de uma caça às bruxas”
17 de fevereiro de 2025Venâncio Mondlane considera absurda a exigência do Ministério Público de Inhambane para que seja responsabilizado pelos prejuízos registados durante os protestos que se seguiram depois do anúncio dos resultados das eleições de 9 de outubro do ano passado em Moçambique.
O Ministério Público (MP) em Inhambane, exigiu hoje (17.02) mais de quatro milhões de meticais (60 mil euros) ao ex-candidato presidencial e ao partido Podemos pelos danos causados na província durante protestos pós-eleitorais.
Entre esses danos o MP referiu a vandalização de viaturas do Estado, de dois postos de transformação de corrente elétrica e de sedes de postos administrativos, além de danos ao longo das Estradas Nacionais 1 e 5 avaliados em mais de 2,8 milhões de meticais (42 mil euros).
"É uma ação de responsabilidade civil, como o próprio nome diz, porque nós entendemos que existem ali factos praticados direta ou indiretamente pelas pessoas que nós contra elas movemos a referida ação", referiu Pompílio Xavier, magistrado do MP, acrescentando que é responsabilidade do Ministério Público assegurar o cumprimento das normas vigentes no país.
O político moçambicano e ex-candidato presidencial sustenta, em entrevista à DW África, que não é, de forma nenhuma, responsável pelos danos ocorridos durante os protestos, justificando que justamente por isso nem há qualquer processo-crime contra si junto à Procuradoria-Geral da República (PGR).
"Eles próprios têm certeza de que eu estive, pura e simplesmente, no exercício das minhas liberdades constitucionais e que em nenhum momento apregoei qualquer espécie de violência que levasse à danificação dos bens públicos ou privados”, afirma o político. "Isso nunca saiu da minha boca”, garante. Admite que tais acusações incorporam uma clara "caça às bruxas”.
DW África: O Ministério Público (MP) em Inhambane exige que pague pelos prejuízos registados durante os protestos organizados por si. Como vê esta medida?
Venâncio Mondlane (VM): É algo, digamos assim, que roça o absurdo. Porquê? Por uma razão muito simples. 75% a 80% das estradas de Inhambane estão todas esburacadas. Portanto, se há destruição ou se há algum prejuízo, talvez tivesse sido criado nos buracos, porque as estradas, o asfalto, é coisa muito rara. A maior parte dos percursos é realmente buracos e estradas, digamos assim, de terra batida.
Número dois: é que a Procuradoria da República baseou-se num pequeno documento à guisa de um levantamento, mas que nem sequer está assinado. Muito provavelmente tentaram passar a ideia de que é uma unidade especializada do Estado, a ANE [Administração Nacional de Estradas], por exemplo, que fez o levantamento disso. Mas o tal indivíduo que fez o levantamento não assinou o documento. Portanto, nós não sabemos quem é. Significa que isso é um elemento que até pode indiciar falsificação de documentos cometidos pela própria Procuradoria.
O terceiro ponto é que era importante se juntar ao processo uma fatura por forma, não é? Portanto, existem empresas especializadas na reparação de estradas e que teriam a melhor legitimidade para dizer em concreto qual é a avaliação técnica que fazem sobre os danos. Outro aspeto que também é importante levantar é como é que chegaram aos valores.
DW África: Sente-se responsável pelos danos humanos e materiais ocorridos durante esse período em todo o país?
VM: Não, de forma nenhuma. É por isso mesmo que, mesmo em Inhambane, porque se eu fosse responsável, o natural, a Procuradoria abria um processo-crime, não é? Mas, como ouviu o comunicado da própria PGR em Inhambane, diz que não abre nenhum processo de crime. O que eles querem é um processo cível, não é? Portanto, a própria Procuradoria nem sequer se atreve ou ousa dizer que haja processo de crime.
Eles próprios têm certeza e convicção de que eu estive, pura e simplesmente, no exercício das minhas liberdades constitucionais e em nenhum momento eu apregoei qualquer espécie de violência que levasse à danificação dos bens públicos ou privados. Isso nunca saiu da minha boca. Sabem que nunca foi o meu discurso. Eu sempre estive a favor, sim, das manifestações por direitos muito bem claros que nós tínhamos, que objetivos que tínhamos.
Em qualquer sociedade moderna está consagrado o direito à manifestação. Quer dizer, isso não resulta e nem deve resultar em que as pessoas que manifestam tenham que ser mortas, tenham que ser molestadas, tenham que ser torturadas. E quem fez tudo isso foi a polícia. Portanto, a polícia é que impediu o exercício de um direito às pessoas, usou violência desproporcional e tirou a vida das pessoas num país em que não há pena de morte.
DW África: Trata-se de uma caça às bruxas?
VM: Claro que sim, porque eles sabem muito bem que não têm nenhuma legitimidade política. Perderam toda a legitimidade política, perderam toda a legitimidade social e agora estão em vias de perder a legitimidade legal, que é o último recurso que eles têm.
É esse recurso que estão a usar agora. Porque todos os recursos que fizeram antes perderam todos. Portanto, o partido que está a suportar este regime já não tem nenhuma base social. Já não tem nenhum sustento social, político, não tem.
Então, a única coisa que se pode usar agora é exatamente a força das armas e a manipulação dos órgãos de justiça. É o único instrumento que eles têm para fazer face a um assunto que deveria ser feito com políticas públicas, com diálogo, com tolerância, com políticas alternativas à crise que o país vive e não fazem nada disso.