Umaro Sissoco Embaló, o mediador improvável entre potências?
3 de agosto de 2025O Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, declarou-se disponível para mediar o recente desentendimento entre o Brasil e os EUA, alegando que "não há Estados pequenos".
A proposta surge após sanções económicas impostas pelos EUA ao juiz do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Alexandre de Moraes, e a imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros.
Sissoco Embaló já protagonizou várias iniciativas de mediação internacional, acostumou-se a cruzar-se com líderes globais e a interceder em crises internacionais.
O chefe de Estado guineense, que assumiu recentemente a presidência rotativa da CPLP, afirmou ter sido contactado pelo Presidente do Brasil, Lula da Silva, nesse sentido.
Em entrevista à DW, o investigador do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), Eugénio Costa Almeida, disse que Sissoco Embaló tem legitimidade para mediar entre Brasil e EUA , mas que pode estar a usar a diplomacia para "desviar atenções internas".
DW África: Umaro Sissoco Embaló tem legitimidade diplomática ou política para assumir o papel de mediador num conflito entre duas potências como o Brasil e os EUA?
Eugénio Costa Almeida (ECA): Qualquer pessoa tem legitimidade para ser mediador. Mais legitimidade ainda tem um chefe de Estado. Tendo em conta as recentes situações, nomeadamente a visita recente de Sissoco Embaló a Washington, - que, supostamente, foi recebida de forma simpática pelo presidente Donald Trump, - e considerando que Sissoco Embaló faz parte, tal como o Brasil, da CPLP e que, neste momento, é o presidente em exercício da organização, tem ainda mais legitimidade diplomática para se oferecer como mediador. Portanto, tem toda a legitimidade. O resto vem por acréscimo.
DW África: Considerando o histórico de instabilidade política e militar na Guiné-Bissau, como é que a comunidade internacional pode encarar a proposta de mediação feita por um Presidente cujo país ainda enfrenta desafios internos graves?
ECA: A comunidade internacional move-se conforme os "sismos” que ocorrem no momento. A comunidade internacional, tal como as ondas de choque, posiciona-se em função do contexto. Neste caso, ela não é chamada nem tida em consideração. O que está em causa aqui são três entidades: dois países e uma organização. Se esses dois países aceitarem, a comunidade internacional, neste ponto, vale zero. Não tem nada a dizer. E pode até ficar surpreendida com o facto de um país tão pequeno — na perspetiva africana, a Guiné-Bissau é muito pequena —, acusado de ser um Estado falhado, ou próximo disso, conseguir colocar dois grandes protagonistas frente a frente e contribuir para resolver o problema.
DW África: Há motivações internas ou externas por detrás dessa iniciativa de Sissoco Embaló? Trata-se de diplomacia de prestígio ou há interesses estratégicos em jogo?
ECA: Pode ser as duas coisas. Não deixaria de ser uma diplomacia de prestígio se conseguisse os seus intentos. Caso contrário, seria uma diplomacia de "atirar água para os olhos” das pessoas. Se falhar, poderá ter sido uma tentativa de desviar as atenções dos assuntos internos. Ambas as possibilidades são válidas.
Se os seus intentos tiverem resultados positivos ou mesmo que não sejam totalmente positivos, mas houver algum retorno das partes a quem se ofereceu como mediador, isso já lhe confere prestígio — mesmo que depois falhe. Se ninguém lhe responder ou levar a proposta a sério, a comunidade internacional pode, com maior ou menor legitimidade, pensar — e quando digo comunidade internacional, refiro-me não só à diplomacia, mas também ao jornalismo internacional — que se tratou apenas de uma manobra de distração.
Pode também pensar que Sissoco Embaló tentou lançar-se para a arena internacional justamente para desviar a atenção do que se passa dentro do seu país. Há sempre algo que ele procura usar para afastar os holofotes da comunicação social e da comunidade internacional dos problemas internos.