Um novo Dia dos Heróis? A questão não é a data, diz analista
3 de fevereiro de 2025Moçambique assinalou hoje o Dia dos Heróis. A propósito da efeméride, o ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane defendeu a definição de 18 de março como o "novo Dia dos Heróis em Moçambique".
18 de março de 2023 ficou marcado por forte repressão policial em marchas pacíficas em homenagem ao falecido 'rapper' de intervenção social Azagaia. Na apresentação do seu segundo "decreto presidencial", Mondlane defendeu ainda a adoção de uma nova lista de heróis nacionais.
Em entrevista à DW, o analista político Ricardo Raboco sublinha que a questão central não deve prender-se com a data, mas sim com "um debate inclusivo da ideia de herói nacional". Seja como for, Raboco frisa que o decreto presidencial de Mondlane "não tem eficácia jurídica".
DW África: O que acha da proposta de Venâncio Mondlane, que diz que 18 de março deve ser o "novo Dia dos Heróis em Moçambique"?
Ricardo Raboco (RR): Para mim, a questão central não deve ser a data, porque se tem sempre de pegar num marco histórico. O aspeto essencial desse debate tem a ver com o conceito e a forma como se construiu a ideia de "herói".
Durante muito tempo, a ideia de "herói" tem-se acoplado a um contexto específico, da luta de libertação nacional. [Mas] há muito que se questiona se, além da heroicidade ligada à luta de libertação nacional, não temos, entretanto, outros grandes contributos que revolucionaram por completo este país.
DW África: Mondlane chama para o lugar de "heróis" o movimento jovem que encabeça a designada "geração 18 de março". Faz sentido que assim seja?
RR: Ainda é demasiado cedo para os considerar "heróis". Há um tempo que se tentou dividir a sociedade moçambicana em gerações - a famosa geração "8 de março"… Estes também são heróis, mas há também aqueles que lutaram, seja combatendo pela democracia, seja pela defesa da soberania nacional.
Estes grupos podem ser considerados heróis, mas tem também aqueles que souberam gerir a transição do país de um conflito violento para o processo de paz. Neste grupo, todos devem ser glorificados como heróis. E nas lutas sociais quotidianas, também pode [haver] heróis. Então, para mim, a questão não é eliminar alguns e dizer que já não são heróis.
Caso haja um consenso nacional de que o 3 de fevereiro reflete eventualmente as lutas de um grupo específico e não mexe com toda a sociedade, pode-se mudar as datas – desde que seja por um consenso.
DW África: No entanto, a partir do decreto, Mondlane determina essa nova data, onde inclusive pede que as pessoas não trabalhem, para que possam celebrar. Reconhece legitimidade nesse decreto? Até que ponto essa alteração da data poderá efetivar-se?
RR: Eu penso que essa é uma estratégia de pressão. Venâncio Mondlane é um político.
Do ponto de vista legal, nós sabemos quem deve produzir um decreto. Há uma instância que tem competência para isso e, fora desta instância, não há outro instrumento que permita a eficácia de um "decreto" no nosso ordenamento jurídico.
Este decreto [de Venâncio Mondlane] não tem eficácia jurídica. Mas pode ter eficácia social por conta do séquito de seguidores que Venâncio Mondlane tem. Eles podem ouvi-lo e podem acatar, mas o "decreto" não terá efeitos nenhuns.
DW África: Concorda então com a Procuradoria-Geral da República, quando abre processos contra "decretos presidenciais" de Mondlane, que alega que subvertem os princípios do Estado?
RR: Ao aparecerem com processos contra Venâncio Mondlane, mas não contra entidades públicas que cometem crimes públicos, a Procuradoria-Geral da República começa a ser suspeita. Aí eu não concordaria com a conduta da PGR, que mais uma vez demonstra que a lei em Moçambique não é cega. Tem olhos para ver uns, mas fecha os olhos para os outros.