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"Trump vê África como importante, mas não estratégica"

24 de junho de 2025

A administração Trump adota uma abordagem paradoxal: Fala em abrir mercados, mas impõe tarifas e restrições à imigração, comenta analista angolano.

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EUA Washington 2025 | Donald Trump antes da partida para a cimeira da NATO, em 24 de junho de 2025
Presidente norte-americano, Donald TrumpFoto: Mandel Ngan/AFP/Getty Images

Num contexto de rivalidades globais, pressões comerciais e disputa por recursos estratégicos, a 17.ª Cimeira de Negócios EUA-África, que decorre esta semana em Luanda, junta líderes políticos e empresariais para redefinir as relações entre Washington e o continente africano. Mas quem dita as regras? E que ganhos concretos poderão os africanos retirar desta nova ofensiva diplomática norte-americana?

Em entrevista à DW, o analista angolano e especialista em petróleo e gás Flávio Inocêncio afirma que "os EUA não são tão importantes como se pensa" e que África está numa posição ideal para atrair investimentos de várias origens.

DW África: O que significa politicamente para Angola acolher a Cimeira de Negócios EUA–África em Luanda, especialmente enquanto Washington redefine a sua presença no continente com a retórica de "trade, not aid"?

Flávio Inocêncio (FI):  A administração de Donald Trump não vê África como algo estratégico, mas sim como algo importante. Há uma pessoa que foi enviada para a administração Trump, que é o sogro da filha de Trump. É um libanês-americano muito influente, que desempenhou um papel importante nos esforços de cessar-fogo no Líbano e também em Israel. Ele demonstra interesse por África.

Então, nesse sentido, considerando que Trump dá mais importância às relações pessoais do que às relações de Estado a Estado, pode ser um momento muito interessante para Angola. Eu não afastaria de todo a importância dessa cimeira em Luanda.

Flávio Inocêncio, especialista em assuntos internacionais
Flávio Inocêncio diz que, para a administração Trump, as relações pessoais sobrepõem-se às relações de EstadoFoto: Privat

DW África: O que têm os Estados Unidos a oferecer hoje a África que a China, Turquia ou Emirados já não estejam a fornecer de forma mais célere e pragmática?

FI: Vejamos os números. Os Estados Unidos (EUA) representam, atualmente, cerca de 4% do comércio externo africano — algo que muitos desconhecem. A União Europeia, por exemplo, realiza mais comércio com África do que os EUA, cerca de três a quatro vezes mais, seguida da China e da Índia. Portanto, os Estados Unidos não são tão relevantes quanto muitas vezes se pensa.

Existem, por vezes, exceções em alguns países, onde os Estados Unidos fazem mais comércio, mas, em regra África, representa muito pouco para os Estados Unidos, cerca de 3% das exportações. O que os Estados Unidos têm a oferecer a África é o sistema financeiro internacional, com o dólar como principal moeda de transação internacional.

Os Estados Unidos também têm, há bastante tempo, uma política externa assente em grandes alianças, nomeadamente com a União Europeia, e, nesse sentido, ainda são um país muito importante. Agora, em termos de comércio estrito, África pode ir buscar aquilo que precisa pode a outros parceiros, essencialmente asiáticos.

DW África: A administração Trump tem falado em abrir mercados africanos, mas, ao mesmo tempo, impõe novas tarifas e restrições à imigração e vistos. Como vimos, há uma vasta lista de países africanos cujos cidadão são proibidos de entrarem nos Estados Unidos da América. Isso não contradiz o espírito da parceria económica? África deve aceitar esse paradoxo? É um paradoxo?

FI: Sim, é claramente um paradoxo, porque Trump não vê África como uma prioridade estratégica. Caso contrário, não teria imposto as tarifas que aplicou a vários países, incluindo africanos. Em setembro, a Lei de Crescimento e Oportunidades para África (AGOA) também irá expirar, o que significa que África passará a exportar para os EUA com tarifas. Trump pretende aplicar tarifas mínimas de 10%, o que afetará diretamente os países africanos. Na prática, isso marcará o fim do AGOA, que foi, desde cerca do ano 2000, o principal instrumento de política comercial dos EUA para com o continente africano.

DW África:  Que impacto tem isso sobre compromissos multilaterais, como o financiamento do Corredor do Lobito, lançado ainda durante a administração de Biden? Há risco de descontinuidade?

FI: Não acho que haja risco de descontinuidade. Creio que vai haver uma continuidade, até porque enviaram para essa cimeira um dos chefes da International Finance Corporation, que é uma das entidades que está a financiar esse corredor. Agora, não vai ser a visão estratégica que as pessoas têm, até porque os americanos não enviaram ninguém a nível ministerial. Eles podiam ter enviado o Secretário da Energia ou o Secretário do Comércio - eu já nem digo o Secretário de Estado, porque estamos a viver uma crise internacional.

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