Tribunal suspende greve em Angola: "Eu estou perplexa"
5 de setembro de 2025O Novo Jornal noticiou, esta tarde que, o Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) deverá manter para a próxima segunda-feira (08.09) a greve geral nos órgãos públicos de comunicação social e tutelados pelo Estado.Outras fontes contactadas pela DW referem que, por enquanto, a paralisação está congelada.
O Tribunal da Comarca de Luanda decidiu, esta sexta-feira, suspender a greve, alegando a violação dos direitos dos cidadãos de se informarem e serem informados. O sindicato frisa, no entanto, que a paralisação também é um direito fundamental.
"A lei protege os trabalhadores que aderirem à greve", salientou o SJA, citado pelo Novo Jornal.
Opinião semelhante tem Luísa Rogério, membro da comissão executiva da Federação Internacional de Jornalistas e da Federação Africana de Jornalistas, para além de ser presidente da Comissão da Carteira e Ética de Angola. Em entrevista à DW durante a tarde, a jornalista questionou: "Onde ficam os direitos dos jornalistas, que também são trabalhadores?"
DW África: O que acha da decisão do tribunal em Luanda de suspender a greve geral dos jornalistas da imprensa pública?
Luísa Rogério (LR): Eu estou perplexa. Acabei de tomar conhecimento da notícia e não consigo perceber. O tribunal fala em violação dos direitos de informação inseridos na Constituição, mas também está em causa o direito dos jornalistas a fazerem greve. E a greve foi devidamente fundamentada. Se tivesse havido alguma ilegalidade, o tribunal tinha todo o direito de a apontar, mas passar por cima de um direito constitucional dos jornalistas – que são cidadãos deste país e são trabalhadores também – é algo que não está muito bem explicado.
O que eu entendo como jornalista, como sindicalista, como cidadã, é que estamos aqui diante de um cenário de conflitualidade de direitos. [Suspender] a greve, por si só, é algo que, seguramente, os jornalistas não vão aceitar de ânimo leve.
DW África: Como é os jornalistas poderão reagir a esta decisão do Tribunal da Comarca de Luanda?
LR: Naturalmente, [devem] recorrer. Não sei qual será o órgão de recurso, não sei o que vai acontecer depois… Mas também não me parece ser motivante que os presidentes dos conselhos de administração (PCAs) tenham acionado mecanismos legais.
Há muitos sinais de que, em Angola, se põem em causa o direito à informação, à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa. Os próprios jornalistas queixam-se, várias vezes, de trabalharem num contexto que não lhes permite fazer o serviço público desejável. E agora, de repente, o tribunal vem dizer que os jornalistas não podem entrar em greve porque estão a ferir um preceito constitucional? Então, onde ficam os direitos dos jornalistas, que também são trabalhadores?
DW África: Acompanha, há muitos anos, as atividades dos jornalistas, tanto em Angola como a nível internacional. Já alguma vez aconteceu coisa idêntica em Angola ou noutras democracias, tanto em África como no resto do mundo?
LR: Não há nada que se assemelhe. Nunca ouvi falar. Pode ser que tenha acontecido, mas eu acho que é motivo para o Sindicato dos Jornalistas recorrer às instâncias internacionais, nem que seja para buscar conselhos e saber exatamente como agir.
Como membro da Federação Internacional de Jornalistas e membro do Comité Executivo da Federação Internacional de Jornalistas e Africana também, eu, naturalmente, não vou desperdiçar a oportunidade de informar estes órgãos internacionais, para saber o que eles podem considerar fazer.
DW África: A outra notícia que nos chegou hoje é que os conselhos de administração e coordenadores dos meios de comunicação públicos estariam a elaborar listas de trabalhadores que possivelmente iriam aderir à greve. O que sabe sobre isso?
LR: Essa medida me parece toda desajustada, até porque passa por cima de direitos consagrados dos jornalistas. Do mesmo modo que os PCAs recorreram aos tribunais, os jornalistas e o sindicato devem fazer o mesmo.
Dizemos que há direitos e estamos num país democrático ou que se pretende democrático, mas de repente vem um tribunal coartar um direito? Além disso, já que estamos a falar em termos de recurso a tribunais, qual seria a motivação jurídico-legal dos PCAs das empresas para fazerem listas com vista a prejudicar os jornalistas? Todas essas medidas podem ser encaradas como um "soco" no estômago.