Tratores para transporte de passageiros geram polémica
22 de julho de 2025A decisão do Governo moçambicano de utilizar tratores adaptados para o transporte de passageiros e mercadorias em zonas rurais está a gerar forte contestação entre cidadãos e analistas. Muitos consideram a medida um sinal claro da ausência de investimentos estruturantes, nomeadamente na reabilitação da rede viária.
A entrega de dois tratores com atrelados modificados ao Governo provincial de Cabo Delgado, pelo Fundo de Transportes e Comunicações, marcou o arranque do projeto que prevê a distribuição de mais de uma centena de unidades em todo o país. A iniciativa foi apresentada como uma alternativa para garantir mobilidade em áreas de difícil acesso.
Contudo, as críticas surgiram de imediato. Nas redes sociais, multiplicam-se caricaturas e comentários que comparam os veículos a meios usados habitualmente para transporte de gado. No terreno, a rejeição é ainda mais evidente.
Clayton Casimiro, residente em Pemba, considera que esta "não é uma ideia inovadora". "Primeiro, é trator — nós usamos mais para a machamba, para lavrar a terra. Nós queremos, como se diz em inglês, 'development'. Nós queremos uma coisa avançada para permitir a locomoção de pessoas e não de tratores", comentou.
Também Maico Mewa, estudante universitário, discorda da iniciativa, que considera desajustada face ao percurso histórico do país: "Não é uma boa coisa. Já ultrapassámos. Cinquenta anos de independência para utilizar trator? Nada!", criticou.
Legalidade e segurança
As críticas vão além do simbolismo. Há preocupações legais e de segurança associadas à nova proposta. Castelo Zefanias, condutor profissional, questiona a legalidade da medida:
"Eu, como motorista com carta de condução de viaturas pesadas, acredito que o próprio Código de Estrada não permite fazermos o transporte de passageiros com tratores. Não sei se é o Presidente que orientou aquilo, acredito que ele está fora da lei", alertou.
Apesar da contestação generalizada, há vozes que procuram ver o lado prático da proposta. Mamudo Irache, empresário em Cabo Delgado, sublinha a versatilidade do equipamento:
"Há um aspeto que eu observei nestes caros mistos: é um trator que tem um atrelado. Porque é que em dois dias da semana não colocamos ali uma charrua para usarmos na produção agrícola? Acho que é um meio que pode ajudar-nos a complementar os dois serviços em simultâneo", sugeriu.
Ainda assim, para cidadãos como Clayton Casimiro, a prioridade deve estar nas infraestruturas básicas, nomeadamente na melhoria das vias de acesso. "Se o problema é a estrada, então que comecemos com a sua reabilitação. É mais simples assim”, concluiu.