Tempestade em Cabo Verde: "Estamos habituados a sofrer"
12 de agosto de 2025"Quando não chove, morremos de sede; e quando chove, morremos afogados", desabafa Salvador Mascarenhas, líder do movimento Sokols 2017, uma organização que reivindica mais transparência e empenho no apoio aos mais vulneráveis, com sede no Mindelo, a capital da ilha de São Vicente.
Salvador Mascarenhas diz que os membros do seu movimento estão preparados para ajudar os bombeiros e a Proteção Civil, instituições que critica duramente após a passagem da tempestade na madrugada de segunda-feira (11.08), que provocou pelo menos oito mortes e destruiu várias habitações e estabelecimentos comerciais.
"Não houve nenhum alerta", denuncia Salvador Mascarenhas. "Não houve qualquer aviso da Proteção Civil." O primeiro-ministro cabo-verdiano, Ulisses Correia e Silva, garantiu, entretanto, ajuda imediata à população afetada.
DW África: Como descreve a situação, nesta terça-feira, na ilha de São Vicente?
Salvador Mascarenhas (SM): A situação está caótica. A eletricidade é instável e, enquanto falo, estou a ver um supermercado onde as pessoas têm de entrar uma por uma. Há problemas muito graves, há muita gente sem casa.
DW África: Está no Mindelo, a capital de São Vicente, mas fora da cidade, como está a situação?
SM: Os acessos às zonas de Calhau, Salamansa, Baía das Gatas e Norte da Baía continuam fortemente condicionados. Ontem morreram três pessoas em Salamansa e nem os feridos nem os corpos puderam ser resgatados por via terrestre. A estrada estava inacessível, obrigando ao transporte dos cadáveres por bote até à cidade.
DW África: Qual o nível de destruição provocado pela tempestade?
SM: Muitas pessoas perderam as suas casas e os automóveis. Muitas casas comerciais ficaram completamente destruídas. Eu acho que, durante esta semana, esta cidade não vai funcionar, pois não há eletricidade, nem água em muitos sítios. Penso que será preciso um grande esforço para retomar a economia. E o que peço é que, quando o fizerem, sigam regras urbanísticas mais apropriadas.
DW África: Tem-se construído sem ter em conta os riscos de fenómenos naturais?
SM: A título de exemplo, o presidente da Câmara autorizou a construção de casas num vale criado artificialmente por um engenheiro hidráulico para canalizar as chuvas, quando elas ocorrem. É raro isso acontecer, por vezes é apenas de dez em dez anos, mas quando acontece, as chuvas são extremamente violentas, como as que se registaram agora. Mesmo assim, foi autorizada a construção de casas nesse local e, agora, a natureza abriu o seu próprio caminho ao lado. Há casas com os alicerces expostos, em risco de derrocada. A situação é muito grave.
DW África: Está a chegar ajuda em número suficiente?
SM: Ainda não. Há muitas promessas, mas o essencial é que essas ajudas cheguem mesmo às pessoas. Lembro-me bem do que aconteceu depois da erupção na ilha do Fogo, em 2014 – muitas das ajudas prometidas às pessoas não chegaram. E é preciso aproveitar a reconstrução desta cidade para a melhorar.
O que preocupa ainda mais é o risco de doenças. Aqui não temos dengue nem paludismo, mas com esta situação de águas acumuladas e muita lama, fico preocupado, particularmente com as crianças. Felizmente, o nosso povo é muito resiliente. Está habituado a sofrer.
DW África: Houve falta de preparação?
SM: Nós temos uma sina que é: Quando não chove, morremos de sede; e quando chove, morremos afogados. Neste caso em concreto, não houve qualquer aviso da Proteção Civil. Não houve nenhum alarme. O Instituto de Meteorologia disse apenas que, pelas observações que tinham feito, não conseguiram prever algo desta magnitude. Mas há um senhor que há dois ou três dias estava a [alertar nas redes sociais] para o que poderia acontecer. Como é que um simples cidadão conseguiu prever e o Instituto de Meteorologia não?
DW África: As organizações da sociedade civil, como a Sokols 2017 que lidera, estão a ajudar as instâncias de apoio oficial?
SM: Sim, estamos a mobilizar um grupo de cidadãos [para apoiar na resposta]. Os bombeiros funcionam mal, não por falta de competência – porque são pessoas de grande valor – mas por falta de meios e de investimento municipal. Quanto à Proteção Civil, é o que se vê.