Seca no Namibe: Disputa por água termina em tragédia
20 de agosto de 2025Na base do conflito entre membros das comunidades Mucubal e Nhaneka, no município de Cacimba, está o acesso a uma represa de água utilizada para dar de beber ao gado, aponta um relatório do Serviço de Proteção Civil e Bombeiros.
Em entrevista à DW, Oséias Manuel Caxinde, ativista e representante do Fórum Regional para o Desenvolvimento Universitário (FORDU), explica que "a situação é antiga" e piorou nos últimos três meses.
Segundo ele, os confrontos começaram, no sábado (16.08), "quando os Mucubal invadiram a comunidade onde estavam os Nhaneka-Umbi". O ativista conta que a situação continua e provocou a fuga de milhares de pessoas dos municípios de Cacimba e Camucuio - estão a fugir para a sede do município da Bibala.
"A crispação começou porque na zona conflituosa existe uma represa em que há água praticamente o ano todo. É numa localidade mais próxima dos Nhanekas", acrescenta Oséias Manuel Caxinde.
Também o padre Jacinto Pio Wacussanga frisa à DW que esta não é uma situação nova.
Segundo ele, "os conflitos remontam à era colonial" e as suas causas são conhecidas por todos.
"Esse conflito de fronteiras, de espaços, de recursos e de identidades é muito mais antigo e é recorrente. O problema não é haver conflitos. O problema é que, primeiro, o modelo de governação está tecnicamente falido. Este modelo centralizado, onde tudo se pensa no gabinete na Cidade Alta para todo o país, infelizmente não funciona. Em segundo lugar, o Governo não tem uma visão das comunidades angolanas do interior, das minorias", diz.
Por outro lado, "se uma parte do problema tem a ver com recursos, mais concretamente a água, não é muito difícil de se resolver", considera o padre Wacussanga.
"Situação preocupante"
As autoridades confirmaram que os confrontos de domingo resultaram na morte de 12 pessoas, mas o ativista Oséias Manuel Caxinde garante que o número já ultrapassa as duas dezenas.
"Temos informações de que existem mais de 20 mortos nesta situação. E ainda há corpos na mata. Isto é uma situação preocupante", afirma.
Em resposta ao sucedido, e após uma reunião com os líderes tradicionais, na segunda-feira, o governo da província do Namibe ordenou o desarmamento dos cidadãos dos municípios de Cacimba e Camucuio. Esta é uma medida que, aos olhos do padre Wakussanga, não vai alterar a situação.
"Isso é teatro", comenta. "Você tira, por exemplo, a azagaia. Tira a flecha. Tira a lança. Mas haverá reincidência. Aliás, não é preciso muito para lutar - há pedras, por exemplo."
Para além disso, diz Wakussanga, o encontro de segunda-feira não contou com a participação dos que participaram nos confrontos. Este é um problema também focado pelo representante do FORDU.
"Projetos megalómanos" não são solução
Oséias Manuel Caxinde alerta que a situação deverá continuar nesta época sem chuvas. Por isso, critica as promessas do governo provincial para a construção de seis grandes barragens e a reabilitação de 43 represas que, a acontecer, não será no curto prazo.
"Temos um governo que gosta de projetos megalómanos enquanto ignora projetos de curto prazo [...]. Queremos acreditar que o projeto das barragens, mais do que propaganda política, é um projeto de médio e longo prazo. Enquanto isso, poderiam criar-se estratégias de curto prazo, como a criação de mais furos e de estratégias de apoio a essas famílias".
Por seu lado, o padre Wakussanga questiona: "Até que ponto é que o que vamos fazer foi realmente resultado de uma ampla auscultação? Tenho muitas dúvidas".
Wakussanga defende que a resolução deste tipo de conflitos específicos passa pelo trabalho conjunto com as comunidades.
"Os chamados rios secos que só correm água durante o tempo da chuva, têm muita água no seu lençol freático. Era só trabalhar com as comunidades", sugere. "Elas iriam indicar os sítios onde podiam colocar cacimbas melhoradas ou mesmo furos ou represas de pequena dimensão em cada zona."