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Saúde: PALOP ainda dependente da cooperação internacional

14 de fevereiro de 2025

Meio século depois das independências, a saúde nos PALOP continua muito dependente da ajuda internacional. Analista diz que é preciso romper com este ciclo, “porque as ajudas internacionais têm um pendor paternalista”.

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Angola | Hospital Municipal de Menongue
Nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), garantir serviços de saúde à população constitui um desafio para os vários governosFoto: Adolfo Guerra/DW

A saúde é um setor crítico e complexo em África. Nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), constitui um desafio para os vários governos, que se têm mostrado incapazes de dar resposta às necessidades das respetivas populações. A luta contra a cólera, que continua a ceifar vidas em Angola, é um exemplo disso.

A cooperação internacional faz o que pode para aliviar as lacunas ainda existentes no setor. Organismos como a Fundação Calouste Gulbenkian têm desenvolvido projetos e disponibilizado verbas consideráveis para minimizar os problemas nos referidos países. Por exemplo, em parceria com a Fundação La Caixa, a instituição sedeada em Lisboa apoia quatro novos projetos de capacitação institucional na área das ciências da saúde nos PALOP, no âmbito da iniciativa "We Forward”.

Mas é de questionar: 50 anos depois das independências, como está hoje a saúde nos PALOP? Um dos problemas é que meio século decorridos como independentes, os referidos países continuam excessivamente dependentes da cooperação internacional.

O analista político e social angolano Agostinho Sicato, formado em Ciências Políticas, considera que, ao longo destes 50 anos de independência, as políticas para o setor da saúde nos PALOP não têm sido coerentes em consonância com os desafios de desenvolvimento. O também diretor do Centro de Debates e Estudos Académicos, critica a ausência de políticas públicas devidamente orçamentadas, que possam levar à resolução dos problemas no setor.

DW África: Entre os PALOP, Angola é ou não um exemplo de países cujos governos se têm mostrado incapazes de dar resposta às necessidades das respetivas populações, mais concretamente no combate a doenças como a cólera?

Agostinho Sicato (AS): Seguramente, Angola é um desses exemplos. Infelizmente, os PALOP não conseguiram ultrapassar os desafios elementares. Portanto, este da saúde é um dos principais. Não conseguiram criar sistemas de saúde eficazes para evitar doenças como estas, como a cólera e outras mais, para manter o bem-estar dos seus próprios cidadãos.

Angola | Centro Materno Infantil de Bela Vista
Angola é um dos PALOP que não conseguiu criar sistemas de saúde eficazes para evitar doenças como a cólera, entre outras, para manter o bem-estar dos seus cidadãosFoto: Daniel Vasconcelos

E, como resultado, nós vemos que há um paradoxo até, que grande parte daqueles que hoje são considerados como os que lutaram pela libertação de Angola vai tratar-se em Portugal. Porquê? Porque Portugal tem hoje um serviço de saúde melhor. A questão que se levanta aqui do ponto de vista histórico é: 50 anos depois, ainda faz sentido que os países que se libertaram da colónia portuguesa voltem para lá para se tratar?

DW África: Considera que, ao longo destes 50 anos de independência, as políticas para o setor da saúde nos PALOP não têm sido coerentes com os desafios de desenvolvimento?

AS: Não têm sido coerentes na medida em que estes países não respeitam até as recomendações das outras organizações internacionais de que fazem parte, nomeadamente a própria União Africana, a SADC e outras organizações internacionais, que orientam estes países a organizarem melhor as suas estruturas de saúde e ainda a cabimentarem uma cifra maior para o Orçamento Geral do Estado. Só para terem uma ideia, em países como Angola, 8% do Orçamento Geral do Estado são para a saúde e o mesmo se diz para as outras áreas como a educação. Já é sinal claro da ausência concreta de políticas públicas que possam resolver [os problemas]. Portanto, sem dinheiro para essas áreas, claramente que não tem como enfrentar este desafio.

DW África: Falando concretamente da cólera, é uma questão de prevenção ou de financiamento?

AS: AS: Não. A cólera é doença de pobres. E isto aqui até já não seria tema. Na maior parte dos estados, a cólera já nem existe até como doença. A cólera é a falha, é o sinal claro de uma falha grave no sistema de saúde, porque é uma doença que se previne e é uma doença evitável. Portanto, quando um sistema de saúde consente uma doença como a cólera é sinal claro que este sistema de saúde está em colapso. Portanto, a cólera não tem nada a ver com financiamento, até porque o financiamento vem depois de se definir estratégias de prevenção. Essas estratégias é que vão à busca de financiamento.

DW África: Nos próximos três anos, apenas como exemplo, a Fundação Calouste Gulbenkian, em parceria com a Fundação "La Caixa”, executa projetos nas áreas do cancro, da pediatria, da tuberculose e diabetes, incluindo a capacitação institucional, científica e em recursos humanos. São projetos direcionados para Angola, Guiné-Bissau e Moçambique.

O que pode ou deve fazer mais a cooperação internacional para minimizar essa incapacidade dos vários governos em dar resposta adequada às necessidades das respetivas populações na área da saúde?

AS: A cooperação internacional é sempre necessária. No entanto, depende muito das estratégias internas; portanto, da execução de políticas públicas. Primeiro, os estados-membros dos PALOP, no caso concreto, precisam articular melhor as suas estratégias em termos de políticas públicas viradas à saúde. Porquê? Se não houver políticas públicas exequíveis e concretas, podem vir vários financiamentos, vários interesses de cooperação internacional, de boa fé, até com boa vontade, mas vão sempre parar em mãos erradas.

O que é que acontece? Grande parte do dinheiro que é investido para essas áreas, destes patrocínios que se fazem, destes financiamentos de projetos, cai nas mãos de corruptos.

Portugal - Hospital da Luz em Lisboa
Portugal continua a acolher doentes dos PALOP “porque tem melhor serviço de saúde”, diz Agostinho SicatoFoto: Jochen Faget

Estamos lembrados de escândalos que acontecem nesses países. Em Luanda, por exemplo, estamos recordados daqueles escândalos, do descaminho que se deu àquele dinheiro que era destinado à luta contra o HIV/SIDA.

Estamos recordados de outros vários episódios que acontecem, que há esse esforço internacional, mas no país não há estratégia de execução destes fundos. E estes fundos caem sempre em mãos erradas. Na maior parte das vezes, como os sistemas de justiça também não funcionam de modo eficaz, [os corruptos] ficam impunes.

DW África: Mas o que acha de, ao longo destes quase 50 anos de independência, países como Angola e Moçambique, com um potencial considerável em recursos, continuarem excessivamente dependentes da ajuda externa e da cooperação internacional?

AS: Esse é um dado importante a ter em conta. Há países como Cabo Verde, por exemplo, que poderia, talvez, depender disso. Mas hoje Cabo Verde está a dar a maior lição de um país que realmente quer sair deste marasmo de subdesenvolvimento.

Países com o maior recurso, tais são os casos de Angola e Moçambique, não têm absolutamente nenhuma razão para depender do exterior. No caso da Guiné-Bissau, por causa das crises sucessivas, mas também por falta de organização, ainda é justificável que não haja uma definição de políticas públicas exequíveis. É, de facto, justificável. Mas Angola e Moçambique têm recursos naturais por excesso. Portanto, são potencialmente ricos e realmente pobres.

DW África: Que desafios ou que postura devem assumir os dirigentes destes países para o próximo quinquénio, sabendo que tais países ainda estão confrontados com fragilidades infraestruturais, científicas e falta de recursos humanos qualificados?

AS: Para o próximo quinquénio, o desafio maior é a formação de quadros e o direcionamento de todos os melhores quadros para os departamentos importantes que possam melhor definir as políticas públicas nestes países. Este é o primeiro ponto.

Depois, encontrar uma forma de libertar-se das ajudas internacionais. Isto é fundamental. E porquê? Porque as ajudas internacionais têm um pendor paternalista. Não só dividam os países como também levam os mesmos a acomodar-se.

Há esta necessidade dessa rotura. Os países passarem a ser produtores, desde o conhecimento até outros tipos de recursos que podem ser necessários, para evitar que o próximo quinquénio seja o mesmo. Porque, diga-se em boa verdade, que estes países, em muitos domínios, 50 anos depois, não evoluíram e continuam ainda dependentes dos estrangeiros. 

Doentes angolanos resistem à ordem de despejo em Lisboa

João Carlos Correspondente da DW África em Portugal