Rádio em Cabo Delgado: FORCOM acusa governo de ilegalidade
13 de agosto de 2025O governo provincial de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, ordenou a desinstalação do equipamento da Rádio Comunitária de Mocímboa da Praia. O Fórum Nacional das Rádios Comunitárias (FORCOM) condena a decisão por considerá-la ilegal e incompreensível.
O equipamento foi doado pelos EUA no âmbito do Fundo de Reconstrução, para ajudar a emissora a retomar a atividade após ter sido destruída pelos insurgentes em 2017.
Em entrevista à DW, a diretora da FORCOM, Ferosa Zacarias, garante que irá apresentar queixa contra o Estado e acusa as autoridades de colocarem em causa as liberdades de imprensa, de reunião e de associação.
DW África: Qual foi o argumento apresentado pelo governo provincial para desinstalar o equipamento?
Ferosa Zacarias (FZ): O argumento utilizado pelo governo foi de que o Fórum Nacional das Rádios Comunitárias (FORCOM) não pertencia a um grupo da reconstrução e que, por isso, não deveríamos mudar a rádio. Mas isso é completamente ilegal, já que não precisamos de pertencer a nenhum grupo para reconstruir uma rádio que já é nossa afiliada.
Nós cumprimos com todos os procedimentos. O processo levou quase dois anos e foram sendo criados obstáculos que, felizmente, nos ajudaram a organizar todos os documentos. Mas, devido ao terrorismo, tudo foi destruído. Ficámos sem documentos.
DW África: A desativação decidida pelo governo provincial é uma desautorização ao Gabinete de Informação (GABINFO)?
FZ: De certa forma, sim. Em relação ao gabinete, não temos qualquer reclamação. Pelo contrário, o GABINFO concedeu-nos uma licença. Foi muito rápido a conceder-nos a renovação da licença, e apresentámos esse documento ao governo provincial, providenciando para que nos fosse concedida a autorização.
Houve vários encontros de concertação com o governo distrital. Em nenhum momento recebemos informação de que havia outra entidade que estivesse a reconstruir a rádio. Recebemos com grande satisfação a notícia de que o próprio governo distrital agradecia e estava disposto a cooperar. Tanto é que o equipamento do FORCOM está em Mocímboa da Praia desde setembro do ano passado.
DW África: O equipamento foi doado pelos Estados Unidos da América, em concordância com o Governo moçambicano?
FZ: Sim, em concordância com o Governo, no âmbito da reconstrução pós-terrorismo. Foi doado diretamente ao FORCOM.
DW África: Haverá desconfiança em relação ao equipamento, no sentido de que possa, por exemplo, estar a ser usado para fins criminosos? Qual é a desconfiança que existe relativamente a esta decisão do governo provincial?
FZ: Descarto completamente esse ponto. O que houve foi falta de coordenação por parte do governo, porque, logo no início, se tivéssemos sido informados de que havia equipamento, quem sabe teríamos realocado para outro ponto. Falo do equipamento, não da frequência, nem do título da rádio. Teríamos pensado numa outra estratégia e, quem sabe, se o governo distrital, assim como o provincial, se comunicasse devidamente, teria informado que já havia equipamento, evitando toda esta confusão.
Isto é uma vergonha nacional, esta falta de coordenação e sensibilidade para com o apoio à sociedade civil.
DW África: A FORCOM também denuncia perseguições aos seus membros para integrarem o Instituto de Comunicação Social. Existe alguma lei que obrigue as rádios que operam em Moçambique a serem membros ou a estarem filiadas ao instituto?
FZ: Não. Não existe qualquer lei que o obrigue, mas criam-se "artimanhas". Por exemplo, questões relacionadas com o licenciamento. Se não tivéssemos tido a devida preparação e organização de todo o processo, poderiam ter-nos "apanhado", se calhar, na questão da licença.
Por vezes, cobram taxas às rádios que não sabem que há isenção do pagamento pela exploração da rede elétrica. E isso gera uma certa ameaça e intimidação no seio das rádios.
DW África: Entende o gesto como uma ameaça à liberdade de imprensa? Ou seria apenas uma atuação baseada na ignorância das autoridades?
FZ: É uma grave ameaça, sim, à liberdade de imprensa, de expressão e à liberdade de associativismo. É um assunto muito grave, que não deveria ser visto apenas no âmbito da comunicação social.
Acredito que o que está a acontecer agora com a rádio Mocímboa da Praia possa estar a acontecer com outra organização da sociedade civil, por exemplo, que queira construir um hospital.