Que consequências para Moçambique com o fim da USAID?
11 de fevereiro de 2025A decisão da retirada da ajuda norte-americana a países considerados menos favorecidos está a causar agitação e perturbação.
Em Moçambique, uns veem na suspensão a possibilidade de acabar com a dependência externa. Mas, paradoxalmente, as autoridades fazem corredores para manter o apoio aos seus projetos de desenvolvimento. Outros festejam o fim de um suposto apoio a agendas estranhas à governação e à sociedade civil.
Em entrevista à DW, o perito moçambicano Paulo Chaúque defende, antes de mais, um "desligamento gradual" de tais ajudas e olha para o momento como oportuno para África melhorar a sua gestão e o esforço de desenvolvimento.
DW África: O corte da ajuda norte-americana através da USAID vai impulsionar o tão desejado começo do fim da dependência externa, apregoado inclusive pelo Governo?
Paulo Chaúque (PC): É uma questão pertinente. Eu acho que pode, sim. Só que sendo africano, sendo moçambicano, [não acho que] a forma abrupta seja boa. Eu acho que os governos africanos, o Governo moçambicano, pode até tentar, eventualmente, uma negociação, e oxalá que o corte de ajuda seja de forma faseada.
DW África: Por outro lado, em situações de crise humanitária, o corte abrupto pode significar uma catástrofe. A intransigência de Donald Trump, com o apoio de Musk, visa apenas causar sensação ou representa, de facto, uma mudança de paradigma no campo das relações externas?
PC: Apesar do Presidente Donald Trump ser uma pessoa dos média, não me parece que, naquele nível de gestão, possa estar a brincar. Eu não acredito que o país mais poderoso do mundo tenha um Presidente que chegue ao nível que chegou para brincar. Claramente que deve ter pretensão de fazer isso.
A imprensa já fala que ele é muito contra a postura dos presidentes africanos parasitas e que não fazem nada para o seu povo. Nessa perspetiva, também me coloco do seu lado. Como africano, passo pela mesma situação de ter condições precárias em quase tudo do país, na saúde, na educação, nas obras públicas, entre outros, e não se justifica que outros países ou os contribuintes americanos faça um esforço para nos apoiar e nós brincamos com esse apoio.
DW África: Há correntes pró-regime moçambicano que festejam o fim da ajuda, por supostamente a USAID patrocinar agendas estranhas à governação, à sociedade civil crítica. Mas o Executivo moçambicano não mede esforços para manter o apoio financeiro dos EUA para os seus projetos de desenvolvimento. O que tem a dizer sobre esse paradoxo?
PC: Bom, talvez seja um pouco de especulação... Dentro do próprio regime parece-nos haver alas, também pelo que se pode ler na imprensa. Há alas que parece que querem que as coisas sejam bem feitas e outras que não. Eventualmente, aquelas que não [concordam], querem que a vida continue nos termos em que sempre foi, para que continuem a tirar dividendos e se possa alimentar os grupos de influência que existem há [mais de] 30 anos.
DW África: Enquanto isso, diplomatas norte-americanos, incluindo o embaixador de Moçambique, tentam dissuadir a administração Trump de levar adiante essa medida, alegando que tal causaria uma "grande vulnerabilidade", de acordo com o jornal "The New York Times". Acha que Trump se sensibilizaria com esses apelos?
PC: Donald Trump, com toda a postura que já demonstrou, não deixa de ser um ser humano. Eu acho que [ele ouviria] se qualquer dos países africanos ou o continente em bloco, chegasse a Donald Trump e dissesse "vamos fazer isto faseadamente, até daqui a cinco ou seis anos, para nos organizarmos.
O lado positivo de tudo isto é que África tem de fazer uma séria introspeção e aproveitar a oportunidade para melhorar a gestão dos seus países, fazendo essa negociação, eu acho que o Presidente Donald Trump seria recetivo.