Primeira emissão da DW Português para África foi há 50 anos
17 de abril de 2025O "arranque da aventura" foi há 50 anos. A 2 de janeiro de 1975, a Deutsche Welle (DW) começou a emitir um programa de rádio dedicado especialmente aos ouvintes nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
Reinhold Meyer foi uma das figuras que marcaram a fase de criação da DW Português para África e que, durante muitos anos, foi o chefe de redação, até ao final de 2005.
É com um misto de nostalgia e de orgulho que Meyer recorda os tempos em que a DW decidiu produzir os primeiros programas dirigidos aos "cinco novos países independentes" de língua portuguesa em África.
"Estávamos em meados da década de 1970 e os PALOP tinham conseguido libertar-se do colonialismo português. Os movimentos de libertação geravam, na altura, muita atenção em todo o mundo. E nós, na DW, sentíamos a necessidade de reagir aos novos ventos que sopravam. Chegámos à conclusão que devíamos ter em conta as novas realidades, criando um programa específico em língua portuguesa para África", conta.
Meyer tem hoje 81 anos de idade e vive nos arredores de Colónia, cidade que, durante decénios, foi sede da DW, antes da emissora internacional da Alemanha se mudar para a cidade de Bonn, em 2003.
A emissora internacional da Alemanha já produzia programas de rádio em língua portuguesa desde os anos 1960. Esses programas, no entanto, não se destinavam especificamente aos PALOP, mas sim ao Brasil e a Portugal, e eram produzidos por jornalistas oriundos desses mesmos países.
Novos tempos, novas necessidades
Em 1975, era chefe da redação portuguesa para Portugal o jornalista António de Costa Coelho.
O país tinha sido palco de uma revolução, a 25 de abril de 1974, e os jornalistas portugueses da DW focavam os acontecimentos em Lisboa, mas, paralelamente, também tentavam integrar temas africanos e vozes africanas na sua programação.
Costa Coelho e a sua equipa sempre se empenharam pela criação de programas especificamente destinados aos PALOP, porque, após a conquista das independências, muito estava a acontecer, em termos políticos e económicos, nessas novas nações.
"Nesses tempos, no entanto, o principal objetivo da Deutsche Welle era divulgar informações sobre a Alemanha", refere Costa Coelho, que foi assumindo, nos primeiros tempos, a chefia de redação para os PALOP. "Os países de língua portuguesa em África tiveram a sua independência e houve, da parte da Deutsche Welle, a vontade de também estar presente ali e divulgar a Alemanha, o sistema democrático alemão, os valores da democracia."
Costa Coelho explica que, nesses tempos havia um interesse por parte dos PALOP em entender as posições da Alemanha Federal, no que diz respeito às várias questões internacionais: "Os africanos queriam saber muito sobre a cultura, a política alemã e também estavam interessados no desporto na Alemanha."
Por outro lado, a DW também sentiu a necessidade de acompanhar os acontecimentos nesses novos Estados africanos, lembra Reinhold Meyer. Foi então que Meyer e a sua equipa avançaram para o recrutamento de jornalistas oriundos dos PALOP, com vista à produção de programas destinados especificamente a África.
"Vozes africanas autênticas"
"O que nós precisávamos eram vozes autênticas, ou seja, vozes de jornalistas oriundos dos novos países africanos", recorda Reinhold Meyer. "O meu primeiro passo nesse sentido foi viajar para esses países e iniciar contactos com as emissoras oficiais para, junto delas, recrutar jornalistas dos PALOP para a DW. Eu pessoalmente viajei aos PALOP e mantive negociações com as rádios parceiras e com possíveis candidatos. Foi assim que tudo começou."
Passo a passo, a DW foi conquistando, a partir daí, audiência e respeito em Angola, em Moçambique, na Guiné-Bissau, em Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe.
Reinhold Meyer lembra que o sucesso da Deutsche Welle se deveu, sobretudo, à qualidade dos jornalistas que, ao longo dos anos, foram recrutados para fazerem parte da equipa da DW Português para África. "Por aqui passaram grandes vozes, popularíssimas nos PALOP", conclui.
Uma equipa profissional e muito unida
Para além do profissionalismo, os pioneiros da DW África dispunham de qualidades humanas muito vincadas, o que contribuiu para o companheirismo pelo qual era conhecida a redação portuguesa, constituída por profissionais provenientes de todos os PALOP, para além de Portugal e do Brasil.
Joaquim Gonçalves trabalhou na DW durante seis anos, na década de 1990. Hoje vive, reformado da Rádio Nacional de Angola, na cidade do Lubango, na província angolana da Huíla.
Sem pretender ser completo, o jornalista menciona alguns dos colegas que o marcaram particularmente, alguns deles já falecidos: "Estive na Alemanha durante seis anos e fiz grandes amizades, das quais nunca mais me esquecerei, entre elas Daniel Machava, António Rocha, in memoriam, o José Belchior, in memoriam, o Carlos Martins, in memoriam, pessoas que ficarão no meu coração para sempre."
Gonçalves realça também o "modelo de trabalho" da Deutsche Welle: "O que pude verificar aí é que, efetivamente, a Deutsche Welle é um exemplo para o mundo no que diz respeito à liberdade de imprensa."
Entrevistas que marcaram carreiras
O jornalista angolano Pedro Neto, atual presidente do Conselho de Administração da Rádio Nacional de Angola, também foi um dos profissionais que passaram pela DW, por sinal nos tempos em que se deu a reunificação das duas Alemanhas, em 1990.
"Na verdade, foi um momento bastante interessante da minha carreira. Aprendi muito enquanto profissional, porque eu encontrei uma equipa de colegas muito profissionais. A Alemanha foi uma grande aprendizagem, até mesmo para a minha organização como pessoa", assegura Pedro Neto.
Um dos muitos momentos importantes durante os seis anos da sua estadia na Alemanha foi o encontro que teve, num hotel em Bonn, com Jonas Savimbi, o líder da UNITA, o movimento rebelde que, na altura, travava uma sangrenta guerra civil contra as tropas oficiais de Angola, lutando contra o que considerava a "ditadura do MPLA".
"Pude entrevistar o Jonas Savimbi numa altura em que ainda não havia processo da paz para Angola", recorda Neto, e adianta: "Tive o prazer de o entrevistar para os nossos programas. A Alemanha, na altura, era um palco para onde os líderes políticos africanos, e os de língua portuguesa em particular, iam em busca de apoios, e nós tínhamos a ocasião de estar com eles. Ter entrevistado o Jonas Savimbi, pela primeira vez, foi um dos maiores eventos da minha vida profissional."
"Uma lufada de ar fresco"
Marcos Muledzera, moçambicano, também fez parte, nos anos 1980 e 1990 da equipa de colaboradores da DW Português para África.
Hoje vive em Maputo e recorda os tempos em que se refugiou na Alemanha, por razões políticas e económicas. Mais tarde, já com o estatuto de refugiado na Alemanha, acabou por ser recrutado como colaborador da DW, apesar de, na altura, não ter qualquer experiência jornalística.
Muledzera lembra que, para ele, era muito importante poder criticar as guerras civis, que, nos tempos que corriam, se travavam em Angola e Moçambique, assim como os sistemas políticos vigentes nos PALOP: "Nessa época, os nossos países eram caraterizados por governos de partido único: A FRELIMO aqui, o MPLA em Angola, o PAIGC na Guiné. A Deutsche Welle era, na altura, a voz dos que não tinham voz, era um contrapeso. Porque a imprensa nos nossos países também era monopartidária, tinha de seguir a linha do partido único. Então, a Deutsche Welle era uma lufada de ar fresco."
DW: "Organização e inovação"
Juvenal Rodrigues, jornalista de São Tomé e Príncipe, trabalhou na Deutsche Welle entre 1991 e 1996 e voltou para uma segunda temporada entre 2000 a 2005.
Olhando para trás, afirma: "O que me marcou foi fundamentalmente o nível de organização. Era um tema que me interessava muito e foi essa a nova experiência que levei para São Tomé e Príncipe. Foi bom ver como a rádio Deutsche Welle estava organizada, como funcionava. Além disso, resta-me elogiar a prática do jornalismo livre, com acesso a muitas fontes, o que nos permitia fazer um trabalho interessante."
O jornalista Nélio dos Santos, nascido em Bissau, cidadão guineense e cabo-verdiano, hoje jornalista na Rádio Macau, esteve na Deutsche Welle entre 2001 e 2006. Hoje lembra-se de acontecimentos na Alemanha que marcaram a sua carreira jornalística, entre os quais o Mundial de Futebol de 2006, que o público alemão viria a classificar de "conto de fadas de verão".
"Foi um Mundial memorável, com a participação de três países lusófonos: Angola, pela primeira vez, Portugal e Brasil. O jogo Portugal-Angola realizou-se em Colónia, onde eu vivia, e foi um momento marcante."
"DW era uma família"
Nélio dos Santos realça o ambiente caloroso que encontrou da DW: "Era o ambiente de uma família. Eu era o mais novo de todo o grupo. E todos me tratavam como um irmão mais novo, se não mesmo como um filho", lembra.
"Todos os dias, à hora de almoço, íamos almoçar juntos. Até os que estavam de folga, ou mesmo os reformados, procuravam estar presentes para confraternizar. Outras redações - a redação suaíli, a redação hauçá ou mesmo a redação brasileira - procuravam estar também com os colegas da redação portuguesa para confraternizar e ouvir as piadas ou as histórias sobre os PALOP."
No virar do milénio, Nélio dos Santos presenciou as profundas mudanças pelas quais a comunicação social passou, com destaque para a introdução de novas ferramentas e tecnologias.
Inovações ao longo dos anos
Ao longo dos tempos, a Deutsche Welle transformou-se num portal multimédia, que continua a produzir programas de rádio, mas não só.
Inicialmente, os programas produzidos eram transmitidos exclusivamente em onda curta, mas, mais tarde, a DW passou a perseguir vias alternativas para melhor chegar aos ouvintes em África, rubricando acordos com rádios parceiras, para que pudessem ser retransmitidos em frequência modelada. E quando surgiu a Internet, tornou-se também possível aceder aos conteúdos da DW através do livestream ou podcasting.
Beatriz Brücken, portuguesa crescida em Luanda, foi também, durante muitos anos, colaboradora da redação Português para África.
Hoje está reformada e recorda com saudade os tempos em que os programas da Deutsche Welle chegavam aos ouvintes de zonas mais afastadas de África através da onda curta: "Fiquei triste quando acabaram com as ondas curtas, porque nem todas as pessoas têm a possibilidade de ter um telemóvel, de ter um computador, de ter uma televisão. Os nossos ouvintes, sobretudo em zonas mais afastadas dos centros urbanos, tinham aqueles radiozinhos e aí eles ouviam as nossas emissões, mas depois acabaram as ondas curtas. Eu fiquei com pena, não só por mim, mas sobretudo pelos nossos ouvintes."
Beatriz Brücken, durante muitos anos, recebeu e respondeu às muitas cartas que os ouvintes enviavam à Deutsche Welle: "Eu adorava reparar nos selos e nas caligrafias. Na maior parte das vezes, eles escreviam que gostavam da nossa programação. Às vezes até mandavam fotografias. E depois foi acabando. Era mais sms ou e-mails."
Muitas mudanças
Ao longo das suas cinco décadas de história, a DW Português para África tentou sempre acompanhar os sucessivos comboios das novas tecnologias. Aproveitar todas as oportunidades que a digitalização oferece a uma empresa de comunicação social internacional foi o desafio do jornalista Johannes Beck, que chefiou a redação entre 2006 e 2021.
"Quando assumi a liderança, em 2006, a DW era praticamente uma emissora de rádio por onda curta", lembra Beck, adiantando que o grande desafio era encontrar "uma forma moderna" de fazer rádio: "Era necessário criar uma rede de parceiros em FM que retransmitissem os produtos da DW. Ao mesmo tempo, era preciso novas formas de fazer jornalismo. Por exemplo, fomos a primeira emissora internacional a fazer podcasting, fizemos durante muitos anos o envio de notícias por WhatsApp e pelo Facebook Messenger. Abrimos o novo canal do YouTube. Fizemos também muitas iniciativas nas redes sociais, para fortalecer a nossa presença nos meios digitais. E tivemos muito sucesso."
Para além das vitórias, Johannes Beck viu-se também confrontado com desafios durante o período em que chefiou a redação: "O maior desafio foi em 2014, com o corte do orçamento da redação, que levou ao despedimento de metade dos colaboradores na altura. Não foi um tempo nada fácil, mas, felizmente, a DW sobreviveu e está agora de saúde. Acho que vai ter muitos anos pela frente. Portanto, da minha parte: Parabéns!", atira Johannes Beck.
Rumo ao futuro
Tanto para Johannes Beck, como para a atual redação, liderada pelo jornalista Marcio Pessôa, uma das chaves para o sucesso da DW África tem sido a vasta rede de correspondentes, não só nas capitais dos PALOP, mas também nas províncias. Outra mais-valia é a vasta rede de rádios parceiras nos PALOP.
Marcio Pessôa reitera que a equipa respeita e se orgulha do passado de cinco décadas: "Hoje a gente consegue dar continuação a um trabalho dedicado que começou lá atrás, há 50 anos, por jornalistas que superavam imensas dificuldades, pelo compromisso de bem informar os países de expressão portuguesa de África."
Os jornalistas da DW continuam focados nas necessidades dos ouvintes e usuários nos PALOP, em África e no mundo, assegura o chefe da redação da DW África.
"Aqui na DW Português para África temos uma equipa de profissionais dedicados, que enfrentam desafios diários para atender as exigências de qualidade na empresa, lidar com a apuração jornalística em ambientes inóspitos e garantir a relevância da nossa marca. Tenho um grande orgulho e honra de dirigir uma equipe de mulheres e homens tão valiosa, que contribuem com seus talentos para a democracia e a liberdade de expressão em seus países. São exemplos de jornalistas nos seus países e pelo mundo."