Portugal: Imigrantes ao relento após demolições
17 de julho de 2025A Amnistia Internacional Portugal alerta para possíveis violações de direitos humanos nas recentes demolições de dezenas de casas precárias nos concelhos de Loures e Amadora, em Portugal. Esta semana, uma providência cautelar interposta junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa impediu as autoridades camarárias de prosseguirem com a operação de demolição de barracas ilegais construídas no bairro Talude Militar, em Catujal (Loures), que deixou sem tecto muitas famílias de imigrantes, na sua maioria dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
Pouco divulgada, a situação é crítica também nos bairros da Estrada Militar e Mina de Água, na Amadora, segundo revela uma nota da Amnistia a que a DW teve acesso.
A Câmara Municipal de Loures havia dado o prazo de 48 horas aos residentes naquele bairro a retirarem os respetivos pertences e a encontrarem soluções mais adequadas legalmente. Com esta ação, muitos moradores vulneráveis, sem condições financeiras para arrendarem um apartamento, tiveram de pernoitar na rua enquanto não encontram uma saída de habitação.
Entrevistada pela DW, Inês Subtil, coordenadora de investigação da Amnistia Internacional Portugal, que acompanha o drama de mais de 50 famílias, manifesta "bastante preocupação" face à forma como decorreram as demolições nos dois concelhos. A ativista aproveita a ocasião para exprimir a posição da Amnistia perante aquilo que considera ser um risco de violação dos direitos humanos, no que toca ao direito à habitação.
DW África: Nos últimos dias, as demolições de barracas em Loures, onde vivem imigrantes, na sua maioria dos países africanos de língua oficial portuguesa, têm sido tema de debate nas televisões, com alguns partidos de oposição a comentarem o ocorrido. Qual é a posição da Amnistia Internacional sobre estas demolições, quando vemos várias famílias com crianças a pernoitarem na rua?
Inês Subtil (IS): A Amnistia Internacional está bastante preocupada com a situação tanto em Loures como na Amadora. Nós, desde o início da semana, temos tentado, mais nos bastidores, chegar à fala com as duas autarquias. Mandámos pedidos de esclarecimento, também fizemos contactos telefónicos nesse sentido e no sentido de conseguir encontrar soluções de habitação para aquelas pessoas que ficaram, na grande maioria, em situação de sem-abrigo.
Portanto, estamos preocupados. Estamos, no fundo, a alertar para o risco sério de violações dos direitos humanos, em concreto do direito à habitação das pessoas afetadas. Portugal tem uma Lei de Bases da Habitação, desde 2019, que é muito clara em relação aos despejos, e o que aconteceu ali, aparentemente, terá sido o incumprimento dessa lei, o que, para nós, é bastante grave.
DW África: Desse contacto com as instituições competentes, nomeadamente com as entidades camarárias, é possível travar de facto atos como estes?
IS: Nós fizemos esses contactos no sentido de tentar impedir, ainda na segunda-feira de manhã, que as demolições e despejos acontecessem. Isso não foi possível. No caso da Amadora, as demolições acabaram por ser suspensas ao final da manhã, de segunda-feira. Ainda assim foram demolidas três casas e, portanto, três famílias ficaram na rua. No caso de Loures, nunca recebemos qualquer resposta.
No caso da Amadora ainda recebemos uma resposta por escrito na terça-feira, a dizer que as pessoas teriam sido encaminhadas para os serviços sociais e que estavam a ser avaliadas respostas de emergência nas situações em que isso se aplicasse. No entanto, as informações que nós temos é que as famílias afetadas na Amadora não foram contactadas ainda pelos serviços sociais e, portanto, não receberam qualquer tipo de apoio e, no caso de Loures, não houve qualquer resposta.
DW África: A crise da habitação em Portugal é um problema factual, mas é um problema que torna-se mais grave quando se trata de imigrantes. Ao todo quantas famílias estão em causa neste processo de despejo, tanto na Amadora como em Loures?
IS: Os dados que nós temos é que, neste momento, tendo em conta as 54 casas que foram demolidas em Loures e as três de que temos conhecimento na Amadora,estamos a falar de quase 60 famílias. Onúmero concreto de pessoas é muito superior, porque cada agregado tem várias pessoas. Estamos a falar de dezenas de mulheres, crianças, idosos.
As informações que nós temos é que, no caso de Loures, duas a três famílias teriam sido alojadas provisoriamente em pensões, sendo que uma dessas famílias tem uma criança com uma paralisia cerebral gravíssima, acamada, e para essa família foi encontrada uma solução. Mas, efetivamente, estamos a falar aqui de dezenas de famílias.
Em relação à pergunta mais geral do que é que se passa em Portugal em relação à habitação, a Amnistia Internacional acompanha esta questão há muitos anos. Aliás, em 2019, batemos muito para que existisse e fosse criada – como foi – a Lei de Bases da Habitação. Na altura, também fizemos uma petição que recolheu milhares de assinaturas. Portanto, estamos muito convencidos que este ainda é, infelizmente, um dos temas prioritários para a população residente em Portugal.
Naturalmente que a população imigrante, que está numa situação vulnerável, é mais afetada por esta questão, mas o que nós temos assistido recorrentemente é que o direito à habitação e os riscos de não ter acesso a uma habitação, neste momento, afetam a grande generalidade da população portuguesa.
E mesmo nestes casos - estamos a falar aqui destas famílias, na maioria de São Tomé e Príncipe - são pessoas que trabalham, só que recebem um salário mínimo, na maior parte dos casos, que não lhes permite sequer arrendar um quarto. E depois há toda a questão dos proprietários também não quererem arrendar a certas pessoas, nomeadamente à população imigrante. Há várias camadas de problemas. No fundo, estas populações vulneráveis estão muito mais expostas a esses problemas, mas esta questão da habitação é transversal à população portuguesa.
DW África: Entretanto, a Câmara Municipal de Loures já afirmou que as demolições vão continuar, apesar da providência cautelar. Que destino é que devem ter estes cidadãos imigrantes despejados e vulneráveis? Qual será o futuro desta população?
IS: Disse bem, a Câmara Municipal de Loures disse que não só as demolições vão continuar, mas também que o seu objetivo era garantir condições mínimas de dignidade e de segurança às pessoas. Ora, nós achamos que aqui há uma coisa que não bate certo; este discurso e a prática não batem certo, porque por mais precárias que aquelas habitações sejam, elas são sempre melhores do que as pessoas ficarem na rua.
Já há pelo menos três noites que uma grande maioria das pessoas foi despejada, que está a dormir ao relento, junto do que restou daquelas casas, com todos os problemas de segurança, de saúde, que estão inerentes àquela demolição e ao facto de estarem a dormir no meio daqueles destroços.
Os impactos deste tipo de medidas não são apenas os de curto e médio prazo. Isto afeta e muito estas populações. Estamos a falar também de crianças que estão a viver naquelas condições e estamos a falar de pessoas que estão empregadas, mas para as quais ainda é mais difícil conseguir manter-se a trabalhar sem terem um sítio para onde voltar ao final do dia. E, portanto, isto é realmente uma situação gravíssima.
Neste momento, há várias pessoas, migrantes e não migrantes, a construir barracas na Área Metropolitana de Lisboa, porque não têm forma de pagar outro tipo de habitação. Têm de ser encontradas soluções habitacionais.
Têm de ser cumpridas as estratégias municipais no âmbito da habitação. E a nossa expetativa é que não só as autarquias, mas também o Estado central, o Governo, tome medidas concretas para resolver a questão da habitação. Porque as medidas que têm sido aplicadas até agora são claramente insuficientes e, como eu já dizia, este é um problema transversal e que necessita de respostas robustas e que resolvam efetivamente e de forma prática os problemas das pessoas.