Poderá a mediação do Qatar trazer paz ao leste da RDC?
21 de março de 2025O Qatar entrou como mediador nas negociações de paz para pôr fim ao conflito entre o grupo rebelde M23, apoiado pelo Ruanda, e o exército congolês no leste da República Democrática do Congo (RDC). Na terça-feira (18.03), o Presidente do Ruanda, Paul Kagame, e o seu homólogo congolês, Félix Tshisekedi, reuniram-se com o emir do Qatar, Tamim bin Hamad Al Thani, na capital, Doha.
De acordo com uma declaração conjunta divulgada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros do Qatar após as conversações, os dois presidentes africanos reafirmaram o seu empenho num cessar-fogo "imediato e incondicional". No entanto, não ficou claro como é que isso seria implementado ou monitorizado, uma vez que não foram anunciadas resoluções imediatas.
Esta foi a primeira reunião em que Tshisekedi e Kagame se sentaram, frente a frente, na mesa de negociações desde que os rebeldes do M23 tomaram as cidades congolesas de Goma e Bukavu.
Qatar assume papel de mediador
Beverly Ochieng, do Programa para África do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), salienta que o Qatar tem um bom historial no que diz respeito à mediação de acordos de paz. "O envolvimento do Qatar é uma surpresa, mas ao mesmo tempo há muitos precedentes de envolvimento do Qatar em várias iniciativas de paz ou de diálogo - algumas das quais também no continente", disse à DW.
E dá o exemplo da mediação do Qatar entre o Governo de transição do Chade e os rebeldes, que conduziram a "uma pacificação dos combates" ou ainda o sucesso de Doha no papel de mediador de longa data no Afeganistão.
Mas a estabilidade regional não é o único objetivo do Qatar. O país também está empenhado em reforçar laços económicos. Os investimentos substanciais do país tornam-no um parceiro estratégico importante para o Ruanda. A Qatar Airlines detém quase metade das ações da companhia aérea estatal ruandesa (RwandAir) e tem uma participação de 60% no Aeroporto Internacional de Bugesera, na província de Kivu do Sul, na RDC.
O interesse no Ruanda faz parte de uma estratégia de crescimento mais alargada do Qatar, diz o analista Yvon Cimanga, da Escola de Estudos de Conflitos da Universidade de Saint Paul, em Ottawa, Canadá. "O Qatar é um pequeno país do Médio Oriente que pretende afirmar-se na cena internacional, utilizando a política, a diplomacia, o desporto e também a economia", explica.
Investimentos aeroportuários
O petróleo e o gás natural são os pilares da economia do Qatar e representam mais de 70% do total das receitas públicas. O Estado do Golfo Pérsico possui a terceira maior reserva de gás natural do mundo e é o terceiro maior exportador de gás natural.
"Mas o país está a tentar diversificar a sua economia", frisa Cimanga, "e a região dos Grandes Lagos em África e os seus muitos minerais representam, sem dúvida, uma oportunidade para a monarquia. Por agora, a estratégia de Doha na região parece ser o investimento, investem em projetos de infraestruturas para modernizar aeroportos e portos."
As relações bilaterais com o Ruanda têm crescido de forma constante desde que as relações diplomáticas foram estabelecidas em 2017. Os dois países estão ligados por vários acordos e memorandos de intenção que incluem o comércio, a aviação e a agricultura.
No entanto, o Qatar também pretende reforçar as suas relações económicas com o Congo. Em 2024, a Qatar Airways anunciou a expansão da sua rede para incluir a capital congolesa, Kinshasa, permitindo uma maior frequência de voos e uma maior capacidade para Luanda, Angola e outras regiões.
Angola "surpreendida" com encontro
O Governo angolano, que assume o papel de mediador no conflito no leste da RDC, manifestou-se "surpreendido" com o encontro dos dois Presidentes no Qatar. O chefe da diplomacia angolana, Téte António, sublinhou que Angola apoia todos os esforços para a paz, mas acredita que os problemas africanos devem ser resolvidos por africanos.
Mas para o analista Yvon Cimanga, a mediação do Qatar no processo de pazna RDC não é surpreendente e "pode ser explicada pela relação estreita que se acelerou nos últimos anos entre a monarquia e os dois países em conflito."
O Presidente angolano João Lourenço, presidente da União Africana (UA), tem pressionado para que haja conversações diretas entre Kinshasa e o grupo rebelde M23.
Após as conversações de terça-feira, a presidência ruandesa disse no X que os líderes "também discutiram a necessidade urgente de um diálogo político direto com o AFC/M23 como chave para abordar as causas profundas do conflito no leste da RDC".