PGR de Moçambique não está à altura do crime organizado
5 de maio de 2025O procurador-geral da República de Moçambique, Américo Letela, disse na semana passada, no Parlamento, que o Ministério Público não está à altura do crime organizado no país. O novo procurador defende que a institução que dirige precisa estar melhor apetrechada, para estar à altura dos criminosos.
Em entrevista à DW África, o analista político moçambicano Elídio Cuco classifica as declarações de Letela como uma demonstração de frustração, devido à falta de resposta às inquietações da sociedade face à criminalidade organizada no país. E considera positivo que a Procuradoria-Geral da República (PGR) tenha assumido que houve excessos da polícia nas últimas manifestações. "A própria PG fez história ao dizer que há culpados e terá de haver responsabilização", salienta.
DW África: Como classifica as declarações do procurador-geral moçambiano?
Elídio Cuco (EC): Estamos diante de uma instituição que se ressente das pressões fora da abordagem da dimensão jurídica a que ela propriamente está predestinada ou por vocação legal.
DW África: Mas quando o procurador vem publicamente dizer que a PGR não está à altura dos crimes, o que quer transmitir com esse discurso para a sociedade que espera da Procuradoria-Geral da República uma posição para lidar com o crime, principalmente quando olhamos para os raptos no país?
EC: É porque fora da dimensão política temos também a dimensão técnica que as instituições têm. Nesse caso, por exemplo, as instituições têm problemas de meios. Então, não só é a questão política, mas também a questão material, a capacidade institucional, o reforço institucional dos meios que as instituições podem ter, não só em termos técnicos, mas em termos humanos.
DW África: Este é o primeiro informe que o novo procurador, Américo Letela, faz ao Parlamento e apresenta este lado da moeda. Beatriz Buchili , pelo menos nos últimos informes que trouxe publicamente ao Parlamento, queixou-se de supostamente haver gente ligada à justiça envolvida no crime organizado. Como é que podemos olhar para este novo posicionamento, sendo que a anterior procuradora dizia que o grande problema é que as pessoas que deveriam fazer a investigação criminal estão envolvidas no crime e este diz que faltam meios para investigar?
EC: Vamos olhar as coisas no sentido de alguém que naturalmente já conhece a casa, provavelmente pode estar a transmitir uma certa frustração, porque nós sabemos que o cargo de procurador-geral da República em Moçambique é um cargo de muita pressão. Mas há decisões que são de natureza política e de natureza jurídica, há dimensões que o poder político, provavelmente, não lhe permite avançar para coisas que podem por em causa talvez alguns interesses, grupos de interesses.
DW África: É a primeira vez que a PGR vem publicamente assumir que houve excessos, por exemplo, da polícia nas últimas manifestações. Como lê este posicionamento do próprio procurador-geral da República?
EC: Exatamente. Este é um assunto muito preocupante. Na verdade, o assunto das manifestações é um assunto que todos nós queremos que sejam responsabilizadas as pessoas envolvidas com o uso abusivo da força do Estado contra a população. Está claro, ficou evidente, ficou comprovado que houve uso abusivo da força por parte dessas pessoas, principalmente da UIR [Unidade Intervenção Rápida], contra a população. E penso que, como Estado, a Procuradora-Geral da República não pode tolerar isso, para o bem comum da sociedade. Deve haver, sim, responsabilização para estes assuntos.
DW África: Acredita que é possível que as pessoas sejam realmente responsabilizadas?
EC: Ainda bem que a própria Procuradoria-Geral da República fez história ao dizer que, sim, há culpados e terá de haver responsabilização. Porque significa um compromisso que a Procuradoria-Geral da República está assumindo com o povo moçambicano e é da sua responsabilidade fazer isto.