Multas à Meta são o início da soberania digital em África?
19 de maio de 2025A gigante tecnológica norte-americana Meta — empresa-mãe do Facebook, Instagram e WhatsApp — prometeu no início deste mês contestar as elevadas multas aplicadas pelas autoridades na Nigéria por infrações regulatórias.
Isto surge após um tribunal nigeriano ter rejeitado, em abril, o recurso da Meta contra uma multa de 220 milhões de dólares (202 milhões de euros) aplicada no ano passado pela agência de proteção do consumidor do país, a Comissão Federal de Concorrência e Proteção do Consumidor (FCCPC).
O diretor executivo da FCCPC, Adamu Abdullahi, afirmou que investigações realizadas em conjunto com a Comissão de Proteção de Dados da Nigéria (NDPC), entre maio de 2021 e dezembro de 2023, revelaram "práticas invasivas contra titulares de dados/consumidores na Nigéria”.
A FCCPC acusou a Meta de práticas discriminatórias, abuso de posição dominante no mercado, partilha de dados pessoais dos nigerianos sem autorização e de negar aos nigerianos o direito de determinar como os seus dados são utilizados.
Um porta-voz da Meta disse à agência de notícias AFP que "discordamos da decisão da NDPC, que ignora a ampla gama de configurações e ferramentas que permitem a todos os utilizadores do Facebook e Instagram na Nigéria controlar como as suas informações são usadas.”
"Estamos comprometidos com a proteção da privacidade dos utilizadores e já interpusemos recurso da decisão,” acrescentou o porta-voz.
Moderação de conteúdos leva a ações judiciais
Entretanto, segundo o jornal britânico The Guardian, estão a ser preparados processos judiciais contra a Majorel, uma empresa detida pela contratada tecnológica Teleperformance, que é paga pela Meta para realizar moderação de conteúdos.
Moderadores de conteúdos ao serviço da Majorel, na capital do Gana, Acra, disseram ao The Guardian que sofrem de depressão, ansiedade, insónias e abuso de substâncias. Acreditam que estas condições são consequência direta do trabalho como moderadores de conteúdos. Alegam ainda que o apoio psicológico fornecido para lidar com conteúdos perturbadores nas redes sociais era insuficiente.
A Teleperformance terá negado estas acusações. Segundo o The Guardian, a empresa emprega profissionais de saúde mental registados junto da autoridade supervisora local. A DW contactou a Majorel para obter comentários, mas não recebeu resposta.
Em setembro de 2024, um tribunal no Quénia decidiu que a Meta pode ser processada, dando origem a novos processos judiciais e procedimentos de mediação.
Apelos por um quadro regulatório mais robusto
África é um mercado em crescimento para a tecnologia, com mais empresas a estabelecerem operações no continente do que em qualquer outra região do mundo. Para além das oportunidades de crescimento e expansão para empresas tecnológicas globais, o continente africano oferece também mão de obra barata e acesso a milhões de utilizadores multiculturais e diversos.
No entanto, ao contrário da Europa, responsabilizar empresas tecnológicas em África é complicado devido à fraca aplicação das leis de proteção de dados, apesar de muitas destas leis serem semelhantes ao Regulamento Geral de Proteção de Dados da UE.
"É um cenário em transformação,” disse Akintunde Babatunde, diretor executivo do Centre for Journalism Innovation and Development (CJID), um think tank. Observou que "o que acontecer com esses processos irá estabelecer precedentes para aquilo que poderá tornar-se um modelo para muitos outros países do continente.”
Babatunde atribui isto à evolução das empresas tecnológicas ao longo dos anos.
"As plataformas tecnológicas deixaram de ser neutras. Agora funcionam como infraestruturas digitais para ativismo, movimentos sociais, o espaço público e até para a economia digital,” afirmou, apelando à criação de quadros regulatórios para plataformas tecnológicas em África, à semelhança de outros serviços essenciais.
"Devemos pensar nelas da mesma forma que pensamos nas estradas ou nos aeroportos como utilidades essenciais para o quotidiano. E tal como os aeroportos são regulados local e globalmente por entidades da aviação, é necessário um quadro semelhante para as plataformas tecnológicas [no continente].”
Gbenga Sesan, diretor executivo da Paradigm Initiative, uma ONG que liga jovens africanos desfavorecidos a oportunidades digitais, disse à DW que as decisões destes países africanos vão para além da soberania digital, tendo também como objetivo aumentar as receitas regulatórias.
Alguns países africanos já estão a trabalhar para garantir a proteção das suas cadeias de valor ao reforçar as suas leis de dados. Por exemplo, a agência de proteção de dados da Nigéria afirmou ter gerado mais de 1,2 milhões de dólares em receitas regulatórias nos últimos dois anos.
"Muitos países em África viram o que aconteceu na Índia, na Europa e noutras regiões, e estão a pensar que ‘estas empresas estão a recolher os nossos dados e não estão a pagar nada por isso'. Esse é também um fator importante por detrás das multas. Mas estas multas não são um fim em si mesmas,” afirmou o especialista em direitos digitais.
"É importante que todas as empresas, incluindo a Meta e outras, saibam que haverá consequências se as leis de privacidade de dados não forem respeitadas.”
E agora?
Apesar de parecer que África está gradualmente a assumir o controlo da situação, há ainda receios palpáveis de que os governos do continente utilizem a regulação digital e as leis de privacidade para reprimir vozes dissidentes sob o pretexto da responsabilização tecnológica.
Nos últimos anos, os jovens africanos têm utilizado plataformas detidas por empresas tecnológicas globais, como o Facebook e o X (antigo Twitter), para se mobilizarem e responsabilizarem os seus governos.
Os "protestos da Geração Z” no Quénia começaram com uma hashtag no X antes de se transformarem num movimento que acabou por obrigar as autoridades a recuar numa polémica proposta de lei financeira.
Em 2021, ogoverno nigeriano suspendeu o X depois da plataforma ter apagado uma publicação do então presidente Muhammadu Buhari, na qual ameaçava punir separatistas regionais.
Embora tenha descrito estas ações repressivas como o "verdadeiro problema,” Gbenga referiu que alguns governos africanos atacam estas plataformas "porque são usadas pela oposição” e, como tal, "há uma tendência para que os governos usem essa desculpa para encerrar e restringir plataformas que sabem que os cidadãos utilizam amplamente para impulsionar conversas em torno de vozes dissidentes.”