O que explica a expansão da insurgência em Cabo Delgado?
14 de agosto de 2025Chegam em catadupa os relatos da expansão da insurgência do norte de Cabo Delgado para o sul da província. Nas últimas semanas, Ancuabe, Chiúre e Balama têm sido os alvos preferenciais dos insurgentes, que aterrorizam a população, inclusive com decapitações. As tradicionais áreas em que atuam também continuam a não ter paz.
Estes recentes casos de violência contradizem as garantias do Governo de que a situação está sob controlo. Mas o que terá causado a pulverização geográfica dos terroristas?
Em entrevista à DW, Calton Cadeado, especialista em segurança, apresenta possíveis causas:
"Primeiro, estão a explorar a nossa fragilidade. Segundo, estão em busca de logística. A coisa pode ficar mais completa se analisarmos a capacidade de financiamento que esse grupo tem, mas em termos de logística, há indicações que estão com problemas. O terceiro ponto é que, provavelmente, depois de muito tempo em que sofreram as ações ofensivas do Estado, reagruparam-se e voltaram para mostrar que ainda estão vivos", diz.
Consolidam estas suposições o facto, por exemplo, dos insurgentes atacarem especificamente transportadores de mercadorias e áreas de produção agrícola, onde invariavelmente furtam alimentos e outros bens para o seu sustento.
"Governo tem-se esforçado bastante"
Já relativamente às respostas das Forças de Defesa e Segurança à ofensiva insurgente, as notícias são escassas. Será que a segurança da população em Cabo Delgado foi relegada para segundo plano?
Canuma Silvestre Canuma, diretor da organização "Paz de Moçambique", acredita que não. Na sua opinião, "o Governo tem-se esforçado bastante". E prova disso, diz, é que "logo após o ataque, foi enviada uma equipa governamental que ajudou a criar centros de acolhimento".
No entanto, nota Canuma, "Moçambique não está suficientemente unido a Cabo Delgado. Quando estes ataques acontecem, parece que ocorreram noutro país; não há uma sensibilidade generalizada. As informações são escassas", lamenta.
Já o grupo Estado Islâmico (EI) aproveita-se, nos últimos dias, das incursões dos seus afiliados em Cabo Delgado para intensificar a propaganda.
No contexto desta expansão, os insurgentes têm igualmente incendiado instituições cristãs, sequestrado e recrutado cidadãos, incluindo crianças, e provocado a fuga massiva das populações para lugares mais seguros, que já começam a ser poucos, na província.
Rufino Sitoi, especialista em terrorismo, que vai no mesmo diapasão da análise de Cadeado, acrescenta que outro fator que favorece os atacantes é a fragilidade de segurança.
"Uma das razões que faz com que grupos, sobretudo numa região como Cabo Delgado, se expandam são as dificuldades que enfrentam nos locais onde operam - estamos a falar de Macomia, Palma, Mocímboa da Praia. Quando enfrentam dificuldades nestas regiões, tendem a mover-se para outras onde o quadro de segurança seja mais fácil, onde possam conseguir logística e conseguir recrutas. Sabe-se que têm conseguido recrutas de forma forçada. Isso talvez tenha a ver com a mudança no quadro de segurança", explica.
Zona sul menos protegida
Uma destas zonas que tende a ser menos protegida, é precisamente o sul de Cabo Delgado. Isto, quando comparada, "com o norte onde estão as bases militares", explica.
Numa altura em que já aumentam os relatos sobre a presença de insurgentes no norte da vizinha província de Nampula, uma expansão para sul de Cabo Delgado acirra o medo e as preocupações com o alastramento da guerra para outros pontos do país.
O recrudescimento também ocorre numa altura em que a multinacional do gás TotalEnergies planeia retomar as operações na província, após um longo interregno no contexto da insurgência. Em 2021, a petrolífera suspendeu tudo invocando força maior.