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Nova lei pode sufocar sociedade civil moçambicana?

23 de abril de 2025

Sob pretexto de combater crimes financeiros, o Governo quer controlar associações, impor regras internas e fechar entidades que não cumprirem. Um duro golpe à liberdade cívica?

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Proposta inconstitucional ameaça Organizações da Sociedade Civil em MoçambiqueFoto: Sitói Lutxeque/DW

O espaço cívico e as liberdades fundamentais em Moçambique estão sob grave ameaça. O Governo prepara-se para aprovar, com o respaldo da maioria parlamentar, um instrumento legal que poderá representar um dos maiores retrocessos democráticos desde a aprovação da atual Constituição da República.

Sob o pretexto de prevenir o branqueamento de capitais e combater o financiamento ao terrorismo, a proposta legislativa visa impor um controlo apertado sobre as Organizações da Sociedade Civil (OSC), tanto nacionais quanto estrangeiras.

Entre outras medidas, o documento estabelece que o Estado poderá determinar o conteúdo dos estatutos das organizações, a estrutura de funcionamento dos seus órgãos sociais, os direitos dos membros, o limite de mandatos e os mecanismos de prestação de contas. O não cumprimento dessas normas poderá culminar no encerramento da organização por decisão do Executivo.

À DW, o jurista e membro da sociedade civil, Tomás Vieira Mário, considerou que a proposta não apenas regula, mas submete as organizações ao estatuto de departamentos governamentais.

"É inconstitucional. A Constituição da República é muito clara, e os direitos fundamentais [só podem ser] limitados pela própria Constituição, e não de forma arbitrária ou por vontade do Governo.” 

A proposta exige ainda que todas as organizações submetam, anualmente, relatórios de atividades detalhados, incluindo informações financeiras, sob pena de sanções. O Governo fundamenta esta exigência na alegação de suspeitas de branqueamento de capitais por parte de algumas ONGs.

Essa narrativa é contestada por Edson Cortez, diretor executivo do Centro de Integridade Pública, que questiona a prioridade dada à fiscalização das OSC em detrimento de outros setores mais críticos.

"Para mim, isto é um contrassenso e só mostra a vontade que o Estado tem de tentar calar as organizações da sociedade civil.”

Cabo Delgado
Várias organizações operam no Norte de Moçambique no âmbito da crise de deslocados decorrente dos ataques armados na regiãoFoto: Estácio Valói

Moçambique foi incluído nalista cinzenta do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) devido a atividades económicas ligadas ao branqueamento de capitais e ao financiamento ao terrorismo. O Governo tem indicado que as ONGs representam um fator de risco para a permanência do país nessa lista.

Contudo, o economista Gabriel Manguele contesta essa posição, lembrando um estudo encomendado pelo próprio Executivo que concluiu que essas organizações não estão vulneráveis a crimes financeiros.

"Moçambique não continua na lista cinzenta do GAFI por causa desta questão, mas sim porque temos dificuldades em criminalizar e nunca houve uma agenda séria para combater o crime de branqueamento de capitais.”

Tomás Vieira Mário também tece críticas à técnica legislativa usada na formulação do documento:

"Não se sabe se aquilo é lei, política; não é sistemático, não é consistente. Parece que foi uma cópia de muitas leis.”

O jurista acrescenta ainda que o texto trata as associações como grupos de indivíduos de conduta duvidosa, que podem representar uma ameaça à segurança do Estado.

Com a ascensão de um novo Executivo num contexto político instável, a incerteza persiste: o Governo liderado pela FRELIMO há cinco décadas avançará com a aprovação deste controverso documento? 

Edson Cortez: "Tenho vergonha de ser moçambicano"

 

Silaide Mutemba Correspondente da DW África em Maputo