Moçambique precisa de "maior rigor" nas finanças públicas
2 de maio de 2025O Governo de Moçambique solicitou um novo pedido de ajuda financeira ao Fundo Monetário Internacional (FMI), depois de completados os 100 primeiros dias da presidência de Daniel Chapo, após as eleições de 9 de outubro. Mas o representante do FMI no país, Olamide Harrison, exorta Moçambique a adotar "medidas corajosas e antecipadas" para permitir a recuperação económica.
O economista moçambicano Egas Daniel considera que este deve ser tomado como "um ponto de viragem para a gestão das finanças públicas, porque as mexidas anteriores não foram suficientes."
Em entrevista à DW África, o economista sénior, associado ao programa do IGC (International Growth Centre) dirigido pela London School of Economics, avalia o estado atual da economia moçambicana; observa o impacto das dívidas ocultas na economia e aconselha o novo executivo de Maputo a adotar uma política de maior rigor, depois do fracasso do programa anterior com o FMI.
DW África: Moçambique fez um novo pedido de ajuda financeira ao Fundo Monetário Internacional. Isso implica medidas internas mais rigorosas no plano económico e financeiro?
Egas Daniel (ED): O pedido de ajuda mostra que alguma coisa aconteceu do ponto de vista de contexto e de medidas que, conjugadas, não conseguiram traduzir um bom desempenho do programa anterior. Então, a interrupção do programa anterior já é um reconhecimento implícito de que alguma coisa não andou tão bem quanto esperado, sejam por fatores internos, como, por exemplo, a pressão que se assistiu desde a aprovação da tabela salarial única sobre as contas públicas, sejam também por fatores de ordem exógena, como, por exemplo, o contexto pós-eleitoral, as tensões pós-eleitorais que, naturalmente, desviaram as perspetivas de crescimento que a economia poderia apresentar para os anos 2024 e 2025.
Então, tudo isso justifica não somente a interrupção do programa antigo, mas este novo programa. Naturalmente, se o antigo não conseguiu alcançar todos os seus objetivos, então o novo vai requerer, de facto, maior rigor na sua execução operacional para que as suas metas sejam alcançadas e que também não seja interrompido antes do fim, para que não fique um ciclo de interrupções sucessivas associadas aos programas que o FMI tem com o Governo de Moçambique.
DW África: O representante do FMI em Moçambique, Olamide Harrison, diz que o país terá de "tomar medidas corajosas e antecipadas" para permitir a recuperação económica. Que tradução se deve fazer desta espécie de advertência?
ED: Essa é uma advertência que mostra que o programa anterior não contou com medidas tão corajosas para que tivesse um bom desempenho. Agora, traduzindo, porque a primeira coisa é que o novo programa não vai trazer muita novidade do ponto de vista de metas. As medidas de contenção da despesa pública, de contenção das despesas de funcionamento, são coisas que o FMI já vem falando há algum tempo.
Agora, está implícito neste discurso que terá que haver maior rigor, talvez maior coragem de mexer naqueles aspetos que podem representar, de facto, um ponto de viragem para a gestão das finanças públicas, porque as mexidas anteriores não foram suficientes.
Agora, terá de se fazer alguma coisa, uma dose maior da consolidação orçamental e sustentabilidade da dívida. Por exemplo, o controlo da massa salarial sobre o PIB [Produto Interno Bruto], a redução das despesas que são perdidas devido à baixa eficiência na execução da despesa pública, o controlo dos fluxos de recursos que acabam sendo gastos fora dos objetivos do Governo, por causa da corrupção, por causa dos desvios, por causa da falta de controlo da própria despesa pública, por causa de processos de contratação pouco claros, dos preços às vezes excessivos que o Governo paga para poder comprar bens e serviços, enfim. Significa que terá que haver coragem para tocar na ferida que faz com que as finanças públicas, muitas vezes, não consigam alcançar o seu potencial de eficiência. E acho que é isso que está implícito.
Segundo aspeto é que não é fácil cortar a massa salarial, porque tem efeitos políticos adversos. Essas medidas, todas elas, diga-se de passagem, são corajosas, porque terão que fazer algo mais do que não foi feito no passado.
DW África: A crise política pós-eleitoral teve um impacto negativo na atividade económica; na sua opinião, o Governo moçambicano tem condições para responder as tais exigências do FMI? Ou considera que os efeitos desta crise também obrigaram o Governo a optar por este pedido de ajuda o FMI?
ED: Sem sombra de dúvidas, porque os números mostram um forte desvio em relação ao que tinha sido previsto para o ano 2024, tanto em termos de crescimento assim como em termos de arrecadação de receitas. Então, as contas públicas, que já estavam apertadas, ficaram mais apertadas ainda. Inevitavelmente, acordar um novo pacote com FMI de financiamento, principalmente para poder lidar com as despesas emergentes e também a reconstrução e a recuperação, depois da tensão pós-eleitoral, isso era extremamente urgente.
Depois, a recalibragem das metas que não foram alcançadas no programa anterior, naturalmente, também é um fator que tenha pressionado para o novo programa. E, em terceiro lugar, a nova administração, o novo Governo, ciente de que está a implementar um programa ou estava a dar continuidade a um programa, entre aspas, já fracassado do executivo anterior, certamente, com algum vigor na determinação de novas prioridades, também pode ter justificado a busca de um novo financiamento que esteja atrelado a um novo pacote de apoio que represente as suas ambições.
DW África: Face ao estado atual da economia moçambicana, como avalia o que tem feito o Governo para melhorar o seu desempenho e as perspetivas para o futuro?
ED: Eu acho que há sinais de compromisso que vêm sendo demonstrados pelo novo Governo, desde a tomada de posse; o discurso, o plano dos 100 dias, a implementação de algumas medidas relativamente arrojada, a intenção de reestruturar algumas das que são consideradas fontes de riscos fiscais para a economia, as empresas públicas, o redimensionamento ou a reestruturação da própria estrutura do Governo para que ela seja mais operativa.
Esses sinais, embora ainda não tenham dado frutos visíveis, acho que demonstram algum compromisso com uma melhor prestação do Governo para influenciar o melhor desempenho económico, exatamente para fazer jus a pressão que se sofreu por causa do contexto pós-eleitoral, não do ponto de vista económico apenas, mas do ponto de vista também das demandas sociais.
Então, há a necessidade de engendrar mudanças que sejam visíveis para a população, eu acho que esses sinais conseguem ser visíveis. Entretanto, mais uma vez, como economista, o tempo ainda é bastante curto para tirar uma relação objetiva sobre os resultados, a eficácia deste novo Governo e o que ele pretende fazer.
DW África: Mas ainda temos os impactos das dívidas ocultas, que vêm do passado, mas que perdurarão, certamente? A economia moçambicana continuará a ressentir-se dos seus efeitos?
ED: Naturalmente, o efeito das dívidas ocultas é de longo prazo. Conforme nós sabemos, a dívida pública até então está insustentável e o ponto de viragem foi, de facto, o despoletamento das dívidas ocultas há 10 anos. Os processos de Londres ajudam.
Talvez o último alívio que se teve foi a vitória do Moçambique face aos processos e a indemnização que tem que ser paga por causa do envolvimento da ProInvest. O que se comprovou é que houve algum envolvimento da ProInvest no contexto oculto da contratação dessas dívidas.
Mas tudo isso ainda não resolve totalmente. O fantasma das dívidas ocultas continuará a assombrar o país, não somente pelas dívidas comerciais, que algumas delas já foram assumidas, mas também pela imagem que não é fácil recuperá-la do dia para a noite e não só.
Os processos ainda não terminaram. falo dos processos judiciais e os custos de reputação permanecem.
Então, o novo Governo não tem como tirar da agenda a questão de solucionar e minimizar os impactos das dívidas ocultas. Até porque a dívida ainda permanece insustentável e tem sido um fantasma que perseguiu todo o governo passado e certamente vai perseguir ainda por algum tempo este novo Governo.