Morte de jovem reacende debate sobre abusos policiais
3 de setembro de 2025O incidente ocorreu na segunda-feira (01.09), depois de um motorista de transporte semicoletivo alegadamente se recusar a parar numa operação policial. O disparo que atingiu o menor desencadeou protestos populares e culminou no linchamento de um agente da corporação.
Falando a jornalistas em Tete, o secretário-geral da FRELIMO, Chakil Aboobacar, condenou a morte do adolescente e defendeu uma revisão na forma como a polícia atua. "Nós temos que evitar no máximo usar a força a qualquer preço. Condenamos essa ação e exortamos as autoridades para que tomem medidas exemplares para esse tipo de atuação da nossa polícia não se repita, porque o uso da arma de fogo é num momento extremo e devem existir fundamentos”, afirmou.
Aboobacar também criticou a retaliação contra o agente da PRM. "Desaconselhamos e condenamos a justiça pelas próprias mãos. É importante que não se torne hábito esta ação que, quando as pessoas estão inconformadas com alguma situação, recorrem à violência”, disse.
Críticas da sociedade civil
Organizações da sociedade civil responsabilizam o Estado pela morte do adolescente e apontam falhas estruturais na formação da polícia. Para André Mulungo, do Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), a corporação continua a privilegiar a repressão, em vez da proteção da população.
"Isto aqui é uma grande irresponsabilidade, num contexto em que há um esforço muito grande de buscar limpar a imagem da polícia e fazer da polícia uma polícia amiga do povo, e não inimiga.”
O ativista defende que o governo deveria investir em meios não letais, como escudos, gás lacrimogêneo e jatos de água, para reduzir a dependência do uso de armas de fogo em situações civis. "Não é matar que deve interessar à polícia, mas sim dispersar, imobilizar e deter quando necessário."
"A polícia não pode perseguir com arma alguém que não representa perigo. Deve usar-se a arma como último recurso, sobretudo quando se sentir que há uma ameaça, e esse não era o caso: era uma viatura a transportar muita gente, e como é que o agente disparou?”, questionou.
Quebra de confiança pública
Gamito dos Santos, da associação Koshukuro, destacou a impunidade como fator que alimenta a repetição de abusos. "A impunidade que reina no seio da polícia e a perceção de que tudo o que ela faz é pela pátria, é pelo Estado, levam a que os agentes se achem donos de tudo e de todos e a Procuradoria permanece em silêncio. Isso mina a confiança da população nas instituições do Estado”, denunciou.
O Comando-Geral da Polícia anunciou a abertura de uma investigação que poderá culminar na expulsão dos agentes envolvidos e em processos de responsabilização criminal. Para Santos, é fundamental que a sociedade civil acompanhe de perto o andamento desses processos. "Só assim será possível garantir transparência e restaurar a confiança pública”, afirmou.
"Violação grave" dos direitos humanos
A Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) moçambicana disse hoje que a morte a tiro da criança por polícias demonstra uma grave violação dos direitos fundamentais e humanos, condenando também a morte de um dos agentes envolvidos.
"A Comissão Nacional dos Direitos Humanos condena o uso desproporcional da força, comportamento que deve ser evitado e eliminado na atuação da PRM", refere-se no documento.
Em comunicado, a comissão referiu que a atitude da Polícia da República de Moçambique (PRM) contraria os princípios de necessidade, razoabilidade e proporcionalidade de meios e "consubstancia uma grave violação dos direitos fundamentais e humanos", com destaque para o direito à vida, à integridade física e à segurança pessoal.