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CriminalidadeMoçambique

Moçambique: Há vidas faustosas na sociedade civil?

18 de julho de 2025

Chama a atenção a vida de luxo de alguns membros da sociedade civil. Setores pró-Governo denunciam "vidas faustosas". Podem ativistas que exigem verticalidade ao poder do dia, considerado corrupto, serem como ele?

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Notas de Euro
Foto: Silas Stein/dpa/picture alliance

"Vidas largas", desvios de aplicação, corrupção não serão apenas práticas enraizadas na governação da FRELIMO, quem a fiscaliza, às vezes, também o pratica. É, pelo menos, o que se pode entender, a avaliar pelos testemunhos de críticos próximos ao regime, que garantem ter muito a dizer sobre alguns ativistas da sociedade civil.

Gustavo Mavie, jornalista próximo do partido no poder, lembra que "não há fumo sem fogo" e está convencido que o dinheiro é roubado. "Na verdade, levam uma vida de luxo. Conheço pessoas que levam uma vida faustosa, que erguem empreendimentos que nunca os ergueriam com base só no seu salário, mesmo tendo em conta que os seus salários são muito acima da média"

"Eu conheço uma pessoa, entre várias, que tem um complexo escolar incrível e não pode ter sido por salário, é impossível. Conheço outro que tem um condomínio. Mesmo que tenha um salário de 10 mil dólares não o conseguiria, a não ser que tenha jogado na lotaria, e lotaria da Europa", exemplifica sem citra nomes.

Mas há quem não tenha conhecimento de condutas desviantes na sociedade civil, é o caso do diretor do CIP, Centro de Integridade Pública, Edson Cortez: "Eu pessoalmente não ouvi falar de nehum caso, não sei a que se refere, por isso não consigo ter elementos para emitir uma opinião com propriedade e evidências suficientes para contribuir para o debate."

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Edson Cortez, diretor do CIPFoto: Nádia Issufo

Prestação de contas: Transparência garantida

Reagindo, algumas ONG negam as acusações, justificando que apenas pagam salários dentro da média que se pratica no mercado, excluindo o setor público que geralmente não paga remunerações justas. Também sublinham que obedecem ao princípio de transparência, prestando contas publicamente, como é o caso do CIP.

O diretor explica que "o CIP tem um acordo com os seus parceiros, realizam-se auditorias anuais. E não há rembolsos sem que os resultados da auditoria sejam apresentados. As empresas de auditoria do CIP são [as quatro mais renomadas do ramo]. E depois colocamos os resultados das auditorias no nosso website."

Já João Pereira, diretor do MASC, a Fundação Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil, relativiza a questão, evidenciando os dois lados da moeda. Reconhece, no entanto, que as remunerações das organizações da sociedade civil (OSC) estão acima das instituições estatais:

"Não se pode ter medo de abordar esse assuntos, é uma crítica normal. Não há nenhuma organização da OSC que não vai pagar os seus quadros, só se forem instituições religiosas que trabalham muito com voluntariado. Mas se for a comparar com o que se faz nas organizações internacionais, talvez se gaste mais dinheiro nas OSC do que nas nacionais", argumenta.

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João Pereira, diretor do MASCFoto: Privat

O "Roto a denunciar os esfarrapados"?

Trata-se, como se diz na gíria popular, do "roto a denunciar os esfarrapados"? É que a sociedade civil, quefiscaliza também as ações do Governo, faz denúncias frequentes de má governação, especificamente contra a corrupção, merecendo aplausos. Esse é um trabalho que caberia à oposição política, que, no entanto, está moribunda. Mas esse mérito não a impede de ser alvo de um escrutínio, defende Mavie.

"Isso significa, na minha opinião, que não há um controlo rigoroso por parte dos doadores desse dinheiro. O que tenho ouvido falar é que 60% do que é doado é gasto pelos próprios funcionários, ou seja, é para os seus salários e outras despesas que não têm nada a ver com aquilo a que se destina."

Outrora pode ter sido assim, hoje quem abre os cordões a bolsa já começa a fiscalizar mais, contraria o diretor doMASC:

"Agora, mesmo os próprios doadores já começam a aumentar o controlo do que se gasta com custos administrativos. Eles já determinam os custos administrativos. A maior parte tem de ser alocada para aumentar o impacto das intervenções. É uma crítica legítima", assume. 

Quem poderá não gostar nada desse suposto esbanjamento e uso indevido de dinheiro doado é o contribuinte europeu. Afinal, as ajudas a OSC provêm do erário público europeu:

"Aí na Europa, a gestão dos fundos públicos é muito rigorosa, não vai apanhar um ministro a levar uma vida faustosa porque é ministro. Aqui, essas pessoas vivem uma vida muito melhor que os ministros que aprovam esses fundos para eles."

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Doadores fazem olhos de mercador aos ilícitos?

Uma auditoria às contas das organizações da sociedade civil moçambicana era desejável, defende o jornalista próximo ao partido no poder. Gustavo Mavie acredita que os financiadores ocidentais se chocariam com os resultados. Mas será que os doadores não sabem do que estaria a suceder por debaixo do pano? Também sobre possíveis casos de má-gestão?

"Eu acho que sabem, mas fazem questão de dizer que o mal maior é o que queremos atingir. Acho que pensam que os resultados do que é feito pelas ONG é maior do que o prejuízo do mau uso dos seus dinheiros", desconfia Mavie. 

À boca pequena, comenta-se que um ou outro ativista teriam sido afastados de algumas organizações por desviarem fundos, mas são casos que costumam ser varridos para debaixo do tapete, na surdina.

Onde ficaria a responsabilzação e transparência que tanto exigem aos outros? É caso para dizer que, para a sociedade civil, prevalece o adágio popular "faz o que eu digo e não o que eu faço"?

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Jornalista da DW Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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