Moçambique: Financiamento "deve começar" pelas estradas
1 de julho de 2025Decorre até ao dia 3 de julho em Sevilha, no sul de Espanha, a quarta conferência das Nações Unidas sobre o financiamento do desenvolvimento.
Na conferência, pretende-se definir formas de reforçar o financiamento desenvolvimento. Segundo a ONU, faltam 4 biliões de dólares para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até ao final desta década.
Os Presidentes de Moçambique e Angola alertaram para os níveis alarmantes das dívidas dos países em desenvolvimento, bem como para a necessidade do investimento em infraestruturas em África.
Em entrevista à DW, Luís Buchir, professor de mudanças climáticas na Universidade Eduardo Mondlane e gestor da Área de Proteção Ambiental de Maputo, apoia a proposta moçambicana de se trocar a dívida soberana por créditos de carbono, mas alerta para a necessidade de o país estar preparado para a consolidar.
O académico defende que o investimento em infraestruturas resilientes traria grandes benefícios para Moçambique, em especial com a construção de estradas, e acredita que a proposta terá boa recetividade entre os membros da ONU.
DW África: Como avalia a proposta do Governo moçambicano de trocar a sua dívida soberana por financiamento climático para financiar infraestruturas resilientes e áreas afins?
Luís Buchir (LB): Se olharmos para [a necessidade de] trazer mais indústrias para o país, o que obviamente vai trazer mais emprego, sim, essa é a visão que [defendemos]. Mas também temos de ver o outro lado da moeda. As indústrias podem não vir para Moçambique. E se não vierem para Moçambique, vamos receber um financiamento. Mas pretende-se que esse financiamento seja usado para a infraestrutura resiliente e outras áreas afins.
DW África: De que forma esses financiamentos a infraestruturas resilientes poderiam realmente beneficiar Moçambique, onde imagina que poderiam trazer mais benefícios?
LB: Em primeiro lugar, a canalização do financiamento seria para as estradas. Temos uma estrada que liga, por exemplo, Maputo a Cabo Delgado, ou seja, vai do extremo sul ao extremo norte do país. Com isso, nós garantimos o escoamento dos produtos.
DW África: Como é que essa estrada se inclui dentro de infraestruturas resilientes?
LB: Quando o país é fustigado pelos impactos negativos das mudanças climáticas, a primeira evidência disso, em países como Moçambique, por exemplo, são zonas alagadas. Então, corta-se a comunicação. Eu já não consigo ir para o centro ou norte do país do país, porque as redes de acesso estão cortadas ou porque as pontes, por algum motivo, desabam. Isto é um impacto negativo das mudanças climáticas. Quando falamos de infraestruturas resilientes, estamos a dizer o seguinte: Temos de ter estradas que, mesmo em caso de cheias ou ciclones, não sejam derrubadas. Se tenho estradas em condições, terei escoamento de produtos.
DW África: E acha que essa proposta pode encontrar recetividade?
LB: Sim, sim. O que tem que acontecer também, do nosso lado, é nós garantirmos que as nossas políticas nacionais estejam claramente aprovadas para serem usadas de imediato.
DW África: Em relação à transição energética, é a mesma lógica?
LB: Em outras palavras, nós diríamos o seguinte: Nós estamos a olhar para o mercado de carbono como um fundo de investimento. Temos um potencial? Ótimo. Então, vamos usar esse potencial, os fundos que vêm deste potencial, para podermos investir em áreas que acreditamos poderem dar um retorno mais social para o desenvolvimento socioeconómico do país. Então, onde é que estão os nossos principais desafios? Energia para todos, a nível nacional, água para todos.
DW África: O Presidente de Moçambique, Daniel Chapo, levou cinco propostas à Conferência de Sevilha. O que é que ele está buscando?
LB: Nada menos que parcerias para o desenvolvimento socioeconómico ao nível da base. Quando nós falamos de Banco de Desenvolvimento, estamos a dizer o seguinte: Nós vamos criar condições para que até aquele cidadão que não tenha uma renda fixa possa ter um apoio ao nível do Governo. Neste momento, ele [Chapo] está a criar condições para que essas ferramentas possam ser aplicadas em campo.
DW África: O que espera dessa conferência?
LB: Eu não diria que espero que os países se comprometam em financiar, mas espero que os países se comprometam a sentar e fazer uma avaliação caso a caso. E pelo menos num prazo de cinco anos, começarmos a trazer frutos diferentes.
DW África: Houve uma queda no financiamento ao desenvolvimento - de recordar que os Estados Unidos, por exemplo, cortaram imensamente a ajuda da USAID. Qual é a relevância de se realizar esse encontro nesse momento?
LB: Nós fomos expostos a uma realidade da qual nós não estávamos à espera. O lado positivo é que percebemos que podemos ter soluções internas. Moçambique quis trazer outras opções. Por exemplo, Moçambique quer entrar com infraestruturas resilientes, quer avançar com a transição energética, mas não tem fundos. E, no entanto, numa parceria com a Alemanha, com a Espanha, ou um outro país que tenha os equipamentos necessários, nós já resolvemos um problema. A vinda deste conhecimento para Moçambique vai aumentar a nossa capacidade técnica. São esses resultados que esperamos encontrar.