Terrorismo: Cortes na Defesa indicam "mudança de estratégia"
9 de maio de 2025Depois de anos de aumentos significativos nos últimos anos, o novo Governo de Moçambique propõe, em 2025, cortes de 35% no orçamento direto com a Defesa, que passará para pouco mais de 20.673 milhões de meticais (285 milhões de euros). Estão também previstos cortes de cerca de 19% na Saúde e 11% na Educação.
A proposta de lei relativa ao Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE) deste ano começa a ser debatida em plenária a partir desta sexta-feira (09.05) e tem aprovação garantida pela maioria parlamentar da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
Em entrevista à DW, a economista Estrela Charles critica a "gestão silenciosa" do Governo de Daniel Chapo, frisando que não foi dada oportunidade à sociedade civil de debater o PESOE .
A também investigadora do Centro de Integridade Pública (CIP) explica ainda que, dado o fracasso do Governo moçambicano no combate ao terrorismo, os cortes no setor da Defesa "já eram esperados". Segundo Estrela Charles, trata-se de "mudar para uma estratégia menos onerosa para os cofres do Estado" e não um "deixar de lado a questão da guerra".
DW África: O que significam os cortes no setor da Defesa, numa altura em que persistem os ataques em Cabo Delgado e agoratambém no Niassa?
Estrela Charles (EC): Já era algo de esperar. Nós, como sociedade civil, já falámos muito sobre isso. Nos últimos 10 anos, o Governo gastou milhões e milhões com a guerra em Cabo Delgado. Não significa que reduzindo agora as despesas, o Governo estará a deixar de lado a questão da guerra e da segurança ou que as coisas lá podem piorar. Eu acredito que o Governo pode estar a mudar de estratégia no sentido de ter estratégias com menos custos.
A experiência mostra que os elevados custos que nós tivemos para Cabo Delgado não conseguiram resolver o problema. O que eu espero é que o Governo pretenda neste momento usar uma nova estratégia, menos onerosa para os cofres do Estado.
DW África: A proposta orçamental de 2025 prevê igualmente um corte de cerca de 19% nas despesas com Saúde e 11% na Educação. Não deveriam estes setores ser uma prioridade para o país?
EC: Isso acaba por ser um pouco contraditório em relação ao discurso do Presidente de que ia desenvolver mais o capital humano e que pretendia melhorar as condições da educação e saúde. Nós vimos o ano passado, 2024, que o orçamento para o setor da saúde reduziu ligeiramente e agora também temos esta redução - apesar destes setores continuarem a ser setores que consomem a maior parte daquilo que é o orçamento.
Nos últimos anos, nós tivemos uma degradação muito grave destes dois setores. Há falta de tudo. E se olharmos para o setor da saúde, principalmente, vemos que Moçambique vive com base em programas internacionais e de doações. Neste caso, o que seria mais sensato era fazer auditorias às despesas, principalmente, às dos salários. Ainda temos muitas situações de muitos subsídios, de salários bastante elevados para o setor público. O setor público consome cerca de 70% ou mais do nosso orçamento. E outra parte é para o serviço da dívida. Então não sobra quase nada para poder fazer investimentos.
DW África: Na função pública, prevê-se um aumento de 1,3% em salários. É um plano realista?
EC: Nós gostaríamos de perceber e ouvir do Governo tudo aquilo que foi feito no ano passado, mesmo as intervenções do Fundo Monetário Internaciona (FMI) em relação a questão salariais. O que é que o Governo está a fazer realmente para poder ter uma massa salarial controlável, ajustável e de menos impacto nas receitas? O Governo fez auditorias à TSU e nós não sabemos quais são os resultados dessa auditoria - o que é que aconteceu, quanto é que reduziu na massa salarial? O Governo sabe da existência de funcionários fantasmas, principalmente no setor da defesa, mas não só. E o que é que está a fazer para resolver essa questão? Existe uma auditoria? O que é que está a acontecer?
Nós estamos num Governo, que tem uma gestão muito silenciosa, uma gestão oculta, uma gestão que não comunica com a população. Falta a explicação ao público em relação a tudo aquilo que já foi feito nos anos anteriores para poder reduzir a massa salarial.
DW África: Na sua opinião, o que poderia o Governo de Daniel Chapo fazer de diferente?
Algumas coisas já está a fazer. O Presidente Chapo tem-se mostrado um pouco mais comunicativo nos meios de comunicação. Tem recebido algumas congregações, algumas instituições, tem dialogado com essas instituições, mas ainda é muito pouco. E há uma contradição em relação àquilo que o próprio Presidente faz, pois essa abertura que o Presidente está a dar não é visível no seu próprio Governo. E um dos exemplos é que temos um PESOE 2025 que não foi debatido ao nível da sociedade civil.