Morte de Ana Mabuila: "Não são balas perdidas"
31 de julho de 2025Tiros à queima-roupa da polícia angolana deixaram quatro crianças órfãs de mãe esta terça-feira, nos arredores de Luanda. Ana Silvia Mubiala não estava armada — o único “crime” que cometeu foi sair de casa para comprar Omo, num dia em que a polícia decidiu, indiscriminadamente, regar o povo de balas.
"Life is short, don’t be lazy", ou seja, "a vida é curta, não sejas preguiçoso", dizia ironicamente a t-shirt que o filho vestia quando viu a mãe morrer, atingida por uma bala raivosa da Unidade de Intervenção Rápida (UIR). Ana Silvia Mubiala era mãe de quatro filhos, o mais novo com apenas sete meses. Vendia na rua para sustentar a família. Foi a cuidar dos seus, nas tarefas domésticas, que acabou brutalmente assassinada.
Em declarações à Rádio Despertar, o filho de Ana Silvia, Eli João Ngombo, conta que, naquele dia, "saiu com a mãe para comprar Omo", quando "viram muitas pessoas a fugir".
"Eu e a minha mãe fugimos. Ouvi um tiro a bater a primeira vez, depois veio o segundo e a minha mãe caiu", relata.
O adolescente ainda implorou: "Levanta, mamã", mas Ana já tinha caído para sempre. Tentava proteger o filho dos disparos quando foi atingida pelas costas — um trauma que, certamente, acompanhará o rapaz até ao fim dos seus dias.
"São balas intencionais"
Os críticos do regime não olham para a barbaridade policial como um simples incidente. À DW,a ativista Laura Macedo diz não serem "balas perdidas". "São balas intencionais”, garante.
"O que presumo é que as autoridades estejam a provocar o caos de forma deliberada, porque o que fizeram em Luanda é inaceitável", acrescenta.
O disparo pelas costas também não é visto como um detalhe menor pela ativista. "Ela leva um tiro nas costas. No vídeo, nota-se que o filho ainda pensa que a mãe tropeçou e diz: 'Mamã, levanta'.
A intimidação está instalada ao mais alto nível em Angola, depois dos protestos. Desde então, a zona do Caop, no município de Viana, tornou-se provavelmente uma das mais policiadas de Luanda. Moradores relatam a presença estranha de supostos polícias à paisana, vestidos com casacos pesados apesar do calor, para esconderem as armas.
A polícia, que não reagiu de imediato, afirmou esta quinta-feira (31.07) que a mulher morta era uma cidadã estrangeira, "provavelmente em situação migratória irregular em Angola", e que integrava grupos envolvidos em pilhagens, roubos e desordens na via pública.
O comandante-geral da polícia, Francisco da Silva, afastou responsabilidades: "Quando aquele grupo tentou insurgir-se contra os agentes, claro que a integridade física do agente deve ser salvaguardada em primeiro lugar. E nesta situação, foi neutralizada. Infelizmente faleceu. Lamentamos a morte, mas o agente teve de proteger-se e preservar a autoridade do Estado", declarou.
O caso está a gerar forte repercussão, inclusive a nível internacional, com várias figuras públicas a condenarem os abusos das autoridades angolanas. Tudo indica que este episódio ainda fará correr muita tinta.