Messi em Angola: "6 milhões resolveriam problemas básicos"
23 de agosto de 2025Quatro organizações da sociedade civil angolana - Comissão Episcopal de Justiça, Paz e Integridade da Criação da Conferência Episcopal CEAST, a Pro Bono Angola, Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) e a Friends of Angola - pedem o cancelamentodo jogo amistoso com a seleção argentina, destacando a grave crise social e alimentar que afeta milhões de angolanos.
No entanto, numa publicação na sua rede social do Facebook, a seleção argentina confirmou o jogo amigável.
Este evento, promovido como parte das comemorações dos 50 anos de independência, serve como um instrumento de propaganda em vez de uma celebração inclusiva, entendem as organizações. O cancelamento seria um gesto nobre de solidariedade e respeito pelos direitos humanos, afirma o Padre Celestino Epalanga, Secretário geral da "Comissão Episcopal de Justiça, Paz e Integridade da Criação", em entrevista à DW.
"A alegria de 90 minutos não faz sentido nenhum quando temos todos estes problemas", diz.
DW África: Que motivos levaram ao envio desta carta aberta?
Celestino Epalanga (CE): Esta carta decorre de várias ações que estas quatro organizações têm levado a cabo no contexto atual que vivemos de uma crise humanitária muito grande. Vivemos insegurança alimentar, centenas de milhares de crianças a braços com mal nutrição, centenas e milhares de crianças fora do sistema de ensino, crianças que morrem nos hospitais por falta de assistência médica medicamentosa.
Obviamente sabemos que esta partida de futebol entre a seleção angolana e a seleção argentinaseria um dos momentos altos das celebrações dos 50 anos de independência. Nos meses passados, quando isto foi anunciado, já tínhamos contestado, porque o valor que se vai pagar à seleção da Argentina é altíssimo. São seis milhões de dólares.
DW África: Esses seis milhões de dólares serão dinheiros públicos disponibilizados pelo Governo angolano?
CE: Exatamente. É dinheiro público para uma partida de futebol. Seis milhões é dinheiro suficiente para resolver alguns problemas básicos e repugna-nos que o Governo angolano tenha que usar fundos públicos para pagar à seleção argentina para a celebração dos 50 anos de Independência. Eu penso que há outras formas de celebrarmos a independência sem termos que gastar rios e rios de dinheiro.
DW África: Mas o Governo de certeza que diria que isto é apenas um investimento e que vai haver também receitas. Vai-se investir na alegria do povo angolano, que vai ter esse orgulho de ter um dos melhores jogadores, talvez o melhor do mundo em Angola. O que é que responderia a esses argumentos?
CE: Eu não sei se é possível estar alegre com um estômago vazio. Nós repugnamos ver crianças a prostituírem-se um pouco por toda Angola. Isto porque as famílias estão completamente empobrecidas. A alegria de 90 minutos não faz sentido nenhum quando temos todos estes problemas.
DW África: Haverá também críticas que vão dizer que se está aqui com esta carta a politizar o futebol. O que é que responderia a esse tipo de críticas?
CE: Eu responderia: o que é que não é político? Nós não estamos a politizar nada. Como defensores dos direitos humanos e como sacerdote, eu não posso permitir que isto aconteça. Não quero ser cúmplice. Eu prefiro erguer a minha voz, não estamos aqui a fazer nenhum aproveitamento político. Simplesmente queremos interpelar à consciência dos governantes. Para além deste valor, os seis milhões, também se tinha avançado um valor de 20 milhões de dólares para a compra de bandeiras. Isto é pornográfico, é escandaloso. Não podemos, num país com estas dificuldades, gastarmos estes rios de dinheiro para 90 minutos para assistir o Messi a jogar.
DW África: A carta aberta é dirigida pessoalmente a Messi e à Federação da Argentina. O que é que espera de Leonor Messi?
CE: Esta é uma questão de consciência. Ele vai analisar, talvez não tenha conhecimento da realidade angolana. Vai à internet, vai procurar saber um pouco sobre a situação de Angola. E depois disso, vai ter que tomar uma decisão.
Se entender que não diz absolutamente nada, ele poderá vir na mesma, mas o mais importante é que a história vai registar que um grupo de cidadãos e de organizações da sociedade civil, durante a celebração de 50 anos da independência de Angola, escreveu uma carta aberta ao Messi à seleção da Argentina, justamente para interpelar às suas consciências.