Membro da RENAMO recorda como escapou ao esquadrão da morte
28 de fevereiro de 2025Perante o silêncio ensurdecedor das autoridades moçambicanas, continuam a chegar, um pouco por todo o país, denúncias de assassinatos e tentativas de assassinato de opositores políticos, cometidos pelo alegado "esquadrão da morte".
O grupo anda à solta no país há mais de uma década. Desde os finais do ano passado é acusado pelo desaparecimento e mortes misteriosas de apoiantes do ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane.
Em janeiro, Carlos Barbosa, um influente membro da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e ex-apoiante de Mondlane, escapou à morte na cidade de Moatize, quando se encontrava sentado em frente do seu estabelecimento comercial.
Agora, a viver fora do país, recorda o susto que passou a 5 de janeiro de 2025. "Foi a vontade de Deus, que não quis que eu sofresse naquele dia", conta em entrevista à DW.
DW África: Pode contar-nos o que aconteceu no dia do ataque?
Carlos Barbosa (CB): Eu estava sentado em frente do meu estabelecimento, estava a trocar mensagens com os meus filhos. De repente, vi um Mahindra preto. Passou, travou em frente do meu estabelecimento e daí arrancou. E veio um carro de dupla cabina, não conheço a marca, mas de cor branca, e parou exatamente ali onde tinha parado o Mahindra, a cinco metros de distância onde eu estava. Pensei que talvez fossem clientes do meu filho, que é estofador. Então, continuei sentado no banco. De repente, eles estavam a abrir o vidro de trás, atiraram uma arma, começaram a disparar. Eu estava sentado, não me movi.
Dispararam, até balas entraram por baixo do banco. Nem sei como me consegui esquivar àquilo ali. Onde eu estava sentado, ficou cheio de furos. De repente, o que é que me tirou daquele lugar? Fui-me deitar. E quando já pensavam que eu estava morto, eles arrancaram. As pessoas já vinham a correr, principalmente a minha família, a chorar e a dizer "morreu o meu marido". E daí levantei-me e comecei a sacudir a minha roupa e vi que não fui atingido. Mas foram mais de oito tiros. E eu posso dizer que não foi a droga que me defendeu, foi a vontade de Deus, que não quis que eu sofresse naquele dia.
DW África: Acredita que o seu engajamento para com Venâncio Mondlane poderá ter sido a razão de ter sofrido o atentado?
CB: Eu tenho a certeza, porque em Moazite arrastei pessoas, a população gosta muito de mim. Então, desde o tempo do falecido Afonso Dhlakama, a população está nas minhas mãos. Tenho a certeza de que a FRELIMO sentiu-se derrotada pela minha aparição como delegado distrital porque costumo arrastar massas.
DW África: Então, acha que o seu atentado teve uma motivação política?
CB: Exatamente. Porque no dia em que aconteceu aquilo, eu liguei para o próprio comandante, falei com ele. O que é que se passa? Querem me matar? E ele deu a opção: "General, é preferível você sair desse lugar para ficar num lugar seguro", disse-me. E realmente eu acatei aqueles conselhos e por isso, até hoje, estou num lugar incerto.
DW África: Acha que realmente os esquadrões da morte existem no país?
CB: Eu tenho a certeza, sim, que existem. Porque esses que matam são esquadrões da morte, formados pela polícia UIR [Unidade de Intervenção Rápida]. É o Governo da FRELIMO que está a fazer isso tudo, para tirar as cabeças dos opositores. Mas matando-me, o que é que vai ganhar? Matando-me, o que é que vai ter? Qual é o lucro que vai ter? Isso só vai prejudicar a minha própria família. Porque eu não tenho armas, não tenho nada. Um desgraçado como eu... Vão desgraçar os meus filhos e a minha família, que neste momento está a sofrer. Os meus filhos estão nas universidades, não sei o que fazer com essas crianças. Eu estou a sofrer. Estou a sofrer!
DW África: Sente-se seguro de voltar a viver em Moatize?
CB: Realmente, não me sinto tão seguro. Porque aqui estou traumatizado. Não morri na guerra, mas vou morrer sentado em casa? Os porquês, eu não sei. Sinto-me traumatizado, não me sinto seguro, mas o que fazer? A minha família está de qualquer maneira, eu estou de qualquer maneira. Eu gostaria de voltar para Moçambique. Agora, não sei se vou morrer. Porque à morte não se foge. Mas eu deixo a responsabilidade ao Governo da FRELIMO. Se eu morrer, a comunidade internacional tem de saber que a FRELIMO continua a matar os seus opositores.