Mais de 130 mil empregos públicos 'comprados' no Uganda
3 de setembro de 2025O relatório recentemente divulgado pela Inspeção-geral do Governo (IG) do Uganda mostra que 35% dos candidatos a emprego pagaram um total impressionante de 29 mil milhões de xelins ugandeses (cerca de 7,73 milhões de dólares ou 7,1 milhões de euros) em subornos entre 2018 e 2022 para garantir um lugar na função pública.
Isto significa que, dos 480 mil funcionários públicos atualmente na folha de pagamento, cerca de 133 mil terão conseguido o emprego através de suborno.
Durante esses cinco anos, os candidatos foram pressionados a pagar até 78 mil milhões de xelins em subornos, com alguns recrutadores a exigirem montantes que chegavam aos 50 milhões de xelins para cargos superiores, como chefias de departamento.
"Alguns chegam a contrair empréstimos para pagar estes subornos, na esperança de recuperar o dinheiro através de esquemas ilícitos após serem contratados", afirmou Beti Kamya Turwomwe, Inspetora-geral do Governo, citada num comunicado de imprensa.
A responsável acrescentou que a nova estratégia da sua agência inclui o rastreio e recuperação de bens adquiridos por via de práticas corruptas.
Os sectores da saúde e da educação são os que registam maior incidência de subornos pagos ou exigidos. O relatório da IG denuncia uma corrupção sistémica no processo de contratação da função pública. De acordo com algumas estimativas, o Uganda perde cerca de 400 milhões de dólares por ano devido à corrupção — quase 10% do seu orçamento nacional.
Mais corrupção ao nível local
Ao nível distrital, a IG alertou que o problema é ainda mais grave, com taxas de suborno que chegam aos 85%.
"A situação tornou-se bastante caótica", afirmou Tom Wanyakala, docente de governação e liderança no Instituto de Gestão do Uganda (UMI), à DW. O antigo funcionário público recorda que, no passado, os trabalhadores eram recrutados com base no mérito.
"Nos anos 80, os recrutadores vinham à universidade — na altura só havia uma — e escolhiam os melhores alunos, das segundas e primeiras classes. Recrutavam-nos com base no mérito, davam formação e colocavam-nos em diferentes postos, tanto nos governos locais como no central", explicou Wanyakala.
Grande parte do recrutamento da função pública ocorre ao nível distrital. No entanto, segundo o relatório, negócios informais facilitados por intermediários, documentos falsificados, nomeações fantasmas, favoritismo e pagamentos diretos a responsáveis locais impedem que candidatos qualificados acedam aos cargos.
De acordo com o Brigadeiro-General Henry Isoke, chefe da Unidade Anticorrupção da Presidência, a venda de empregos continua a ser prática comum nos 146 distritos do país. Isoke apelou à rápida implementação do recrutamento eletrónico para reduzir a interferência humana no processo.
O correspondente da DW em Kampala, Frank Yiga, refere que a notícia sobre os subornos não surpreende muitos ugandeses, mas a revelação de que 35% dos funcionários públicos "compraram o emprego" é chocante.
Segundo um estudo do Instituto CHR Michelsen da Noruega, cerca de 40% dos jovens ugandeses estão desempregados.
Impacto dos subornos na prestação de serviços
A IG lamenta que, como resultado da contratação de pessoas que pagaram subornos, a prestação de serviços tenha sido prejudicada pela incompetência e má gestão, especialmente em sectores críticos como saúde, licenciamento e educação.
Além disso, o recrutamento corrupto aumenta artificialmente a folha de pagamento, desviando fundos que poderiam ser aplicados noutros projetos.
Este fenómeno também reforça a perceção de que os empregos públicos estão "à venda", enquanto desincentiva a educação e as candidaturas honestas.
Analistas alertam ainda que, politicamente, o emprego baseado na capacidade financeira pode minar a confiança dos cidadãos no Governo.
"Transformou-se num verdadeiro cancro", afirmou Wanyakala, acrescentando que, quando alguém suborna para conseguir um emprego, o serviço público deixa de ser transformador e passa a ser meramente transacional — algo que países em desenvolvimento como o Uganda não podem permitir.
"Se entra na função pública através da compra de um emprego, o seu foco principal passa a ser recuperar o ‘investimento' feito, em detrimento do serviço ao público", disse o antigo funcionário à DW.
A IG recomendou auditorias urgentes e revisão das folhas de pagamento ao nível distrital e local. Apelou também à aplicação de sanções e ao julgamento de responsáveis acusados de solicitar ou facilitar subornos.
Há apelos à reforma do processo de recrutamento, com propostas como a padronização da avaliação central, a introdução de portais de recrutamento eletrónico e o reforço da fiscalização.
O relatório da IG também defende maior transparência na contratação pública, com os intervenientes a sugerirem a criação de uma lista pública de suspeitos de envolvimento em práticas corruptas e a valorização de funcionários íntegros como forma de promover a ética no serviço público.