Livro revela o que não se conta sobre Cabo Delgado
10 de abril de 2025Foi lançado esta quarta-feira (09.04), em Maputo, um livro que pretende levantar alguns véus sobre um dos conflitos mais complexos e silenciados de Moçambique.
"A guerra em Cabo Delgado: Para além da propaganda governamental", da autoria do jornalista Armando Nhantumbo, é um olhar crítico e investigativo sobre a forma como o Estado moçambicano comunica (ou possivelmente esconde) a guerra no norte do país.
Conhecido pelas suas reportagens incisivas no jornal Savana, Armando Nhantumbo questiona o triunfalismo que considera excessivo do Governo, denuncia a alegada opacidade da ajuda militar estrangeira e alerta para a evolução silenciosa dos grupos terroristas em Cabo Delgado.
DW África: Qual é, afinal, a principal contribuição desta obra para compreender o conflito armado que assola Cabo Delgado desde 2017? E o que revela que ainda não foi dito?
Armando Nhantumbo (AN): Este livro é uma proposta de discussão do conflito de Cabo Delgado, que vai para além das narrativas oficiais que foram sendo construídas ao longo destes sete anos de conflito. A obra procura ser um pouco mais ousada. Aborda desde antes do início dos ataques, em 2017, porque é um conflito que vinha se arrastando já há anos e que nós, enquanto Estado moçambicano, falhámos a detetar e a prevenir a sua eclosão.
DW África: O título da sua obra sugere uma crítica direta à narrativa oficial. Quais foram exatamente os discursos e versões dos factos que o governo tentou impor, tanto ao público moçambicano quanto à comunidade internacional?
AN: Enquanto no discurso do Governo havia uma insistência de que a situação em Cabo Delgado estava sob controlo, a de que os insurgentes estão a ser rechaçados, em alguns casos estão desesperados, estão a fugir, e que estamos a ganhar essa guerra. Há-de se lembrar que a certa medida chegou-se até a anunciar que estávamos praticamente a 90% do combate à insurgência.
Já passam anos, já devíamos ter terminado, a medir por esse anúncio aí, mas a informação no terreno, aquilo que estava a acontecer no terreno, era exatamente o oposto disso, havia um avanço, um escalar da violência. Os insurgentes continuavam a conquistar inclusivamente territórios em Cabo Delgado.
DW África: Na sua investigação, que aspectos do terrorismo em Cabo Delgado permanecem ausentes ou distorcidos no debate público? Há dimensões que deliberadamente não foram divulgadas?
AN: A história da operação das empresas militares de segurança em Cabo Delgado. Tivemos os primeiros mercenários da Wagner em 2019, os russos, e depois de 2020 a 2021 tivemos os mercenários da Dyck Advisory Group (DAG) [grupo militar privado sul-africano]. Entretanto, nunca houve uma comunicação à sociedade moçambicana sobre o que é que informa a presença desses grupos, o que é que esses grupos nos estão a dar, o que é que esses grupos estão a levar de Moçambique. Mas as mesmas preocupações, os mesmos pontos que têm a ver com falta de transparência, com obscuridade na gestão disso, continuamos a ver hoje. Ninguém sabe, por exemplo, que contrapartidas o Ruanda tem nesta presença em Cabo Delgado.
DW África: Que mecanismos, institucionais, mediáticos ou até coercitivos, foram utilizados pelo Estado para suprimir informações, descredibilizar vozes divergentes ou impor uma leitura única sobre o que realmente se passa em Cabo Delgado?
AN: O Governo foi ao extremo até de silenciar, de perseguir, de ameaçar e até fazer detenções contra aqueles que relatavam isso que o Governo não queria que fosse divulgado. Há esses casos muito bem conhecidos de jornalistas que foram detidos em Cabo Delgado, como Amade Abubacar, Germano Adriano e o repórter Ibraimo Mbaruco, que desapareceu em Palma.