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CulturaPortugal

Obra destaca papel do jornal "O Negro" na luta anticolonial

11 de abril de 2025

O economista português Jorge Fonseca de Almeida lançou, em Lisboa, o livro "Jornal O Negro e o Movimento Negro da I República", uma obra que resgata o papel do periódico na mobilização anticolonial africana.

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Capa do livro "Jornal O Negro e o Movimento Negro da I República"
Apesar do seu impacto, o jornal "O Negro" viria a ser abalado com a chegada do Estado Novo, liderado por Oliveira SalazarFoto: João Carlos/DW

Foi há mais de um século, em 1911, que nasceu em Lisboa um pequeno jornal de grandes ambições. O "Jornal O Negro" tornou-se, rapidamente, muito mais do que uma publicação periódica: foi o embrião de um movimento que desafiaria abertamente o regime colonialista português e lançaria as bases de um forte movimento antirracista, anticolonial e de emancipação negra.

"Este movimento  do jornal 'O Negro' representou um primeiro passo dado aqui em Lisboa na organização e na luta da comunidade negra que se assumia como portuguesa em prol da autonomia e, nalguns casos, quase ao limite da independência dos territórios ocupados por Portugal em África", explica o economista e investigador Jorge Fonseca de Almeida, em entrevista à DW.

Apesar do seu impacto, a publicação viria a ser abalada com o fim da I República e a chegada do Estado Novo, liderado por Oliveira Salazar. No entanto, o espírito que o jornal havia despertado não foi silenciado. O movimento que daí nasceu ganhou força nas décadas seguintes, tendo influenciado diretamente as lutas de libertação nas ex-colónias portuguesas.

Ideias progressistas

Segundo Fonseca de Almeida, pós-graduado em Estudos Estratégicos e de Segurança, as ideias que o movimento defendia eram das mais avançadas: "Eles próprios participaram em movimentos internacionais como o movimento dos Congressos Pan-africanos que, hoje toda a gente reconhece, estiveram na base de muitas independências africanas."

Jorge Fonseca de Almeida, economista português
Segundo Fonseca de Almeida, as ideias que o movimento defendia eram das mais avançadas para a épocaFoto: João Carlos/DW

Embora marcado por algumas contradições internas e marcado por uma "identidade dividida", como assinala o investigador, o movimento negro da Primeira República estabeleceu uma linha de continuidade com os posteriores movimentos de libertação africanos.

"Encontramos na sua ação uma certa linha de continuidade entre o movimento negro da I República e os movimentos de libertação dos territórios ocupados por Portugal em África", acrescenta.

Durante a sua existência, o movimento lançou outros jornais, fundou partidos políticos, elegeu representantes parlamentares e moldou correntes de pensamento internacional. Tornou-se uma rede ativa e representativa de agremiações negras nos territórios colonizados.

A sua influência atravessou fronteiras e resistiu ao tempo, deixando o que Fonseca de Almeida descreve como "uma marca duradoira" na História de Portugal.

Liga Africana

Um dos braços mais organizados do movimento foi a Liga Africana, composta maioritariamente por estudantes negros oriundos da elite africana. Apesar de não defenderem abertamente a independência, apostavam no regionalismo e na autonomia.

Entre eles destacava-se Ayres de Menezes, natural de São Tomé e Príncipe, estudante de Medicina e editor do "Jornal O Negro". "Ayres de Menezes na altura era estudante de Medicina, depois formou-se e regressou a São Tomé, onde se envolveu na política local, de reivindicação de autonomia para as populações africanas e acabou por ser perseguido pelo regime fascista e inclusive deportado para Angola", recorda o académico.

A luta de Ayres de Menezes transmitiu-se às gerações seguintes. "Os filhos também participaram. Há aqui uma continuidade geracional”, aponta Fonseca de Almeida, referindo que alguns deles viriam a integrar oMovimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). E acrescenta outra figura marcante da história: "Referência também a Juvenal Cabral, o pai de Amílcar Cabral.”

O movimento negro da I República, apesar de pioneiro, enfrentava um dilema identitário que atravessaria décadas. "Por um lado, as pessoas sentiam-se portuguesas e, por outro, africanas. Uma identidade um pouco dividida, como depois mais tarde veio a analisar Frantz Fanon que se reparte, por um lado na pertença ao Estado em que nasceram e, por outro, aos povos de que vinham", explica Jorge Fonseca de Almeida.

João Carlos Correspondente da DW África em Portugal