Jorrar sangue: Processo contra Chapo "sem pernas para andar"
12 de março de 2025O político moçambicano Venâncio Mondlane submeteu ao Ministério Público, na terça-feira (11.03), uma queixa-crime contra o Presidente da República, Daniel Chapo, acusando-o de instigação à violência no seu discurso sobre "jorrar sangue" para travar protestos.
No dia 24 de fevereiro, o chefe de Estado moçambicano disse que vai combater as manifestações pós-eleitorais e assegurar a independência e soberania do país. "Tal como estamos a combater o terrorismo e há jovens que estão a derramar sangue para a integridade territorial de Moçambique, para a soberania de Moçambique, para manter a nossa independência, aqui em Cabo Delgado, mesmo se for para jorrar sangue para defender essa pátria contra as manifestações, vamos jorrar sangue", afirmou Chapo.
Há hipóteses de avançar a queixa-crime submetida pelo ex-candidato presidencial? Foi o que a DW perguntou ao jurista moçambicano Ivan Maússe. "A [Procuradoria-Geral da República] (PGR) é o órgão competente” para a apresentação deste tipo de queixa", afirma. No entanto, Maússe alerta que, dado o peso que Venâncio Mondlane tem na opinião pública, a PGR deve gerir os processos-crime contra si de "forma responsável".
DW África: Este processo contra o Presidente Daniel Chapo tem pernas para andar?
Ivan Maússe (IM): O Ministério Público moçambicano, no caso a Procuradoria-Geral da República (PGR), é o órgão competente para conhecer de ações de ordem criminal, independentemente de que sujeito se tratar. Só que o grande problema é avaliarmos se, de facto, é um expediente que tem pernas para andar ou não, sendo certo que a experiência que nós temos do nosso Estado de Direito em Moçambique é de que, quando se trata de indivíduos pertencentes a uma certa fação política, os mesmos processos não têm pernas para andar.
DW África: Havendo esta separação de poderes, este tipo de declarações que foram feitas por Daniel Chapo, era um motivo para, de facto, chamar o Presidente para esclarecer o que é que ele quis dizer com a expressão "jorrar sangue"?
IM: Sem dúvidas. O discurso que é feito pelas nossas individualidades, sobretudo aquelas que, de alguma forma ocupam o topo da gestão política em Moçambique, se não for feito com algum cuidado, com alguma higiene, podem de alguma forma contribuir para que situações de desconfiança, situações de tumultos, até de convulsão social, possam surgir. Aliás, mesmo a pessoa de Venâncio Mondlane, no passado, perante as várias situações que se entendia na altura de que era violação à lei, que era incitamento à violência, a PGR teve o cuidado de notificar a pessoa de Venâncio Mondlane para se conformar com a legalidade. Então, por que razão, desta vez, a PGR não pode fazer o mesmo em relação à pessoa de Daniel Chapo?
DW África: Que formas é que há de responsabilizar o Presidente?
IM: Caberá à PGR, achando que há elementos suficientes para que Daniel Chapo possa ser responsabilizado, considerando que esse discurso foi feito num certo contexto enquanto já tinha assumido as funções de Presidente da República. E, se se entender que de facto é um crime que foi cometido no exercício das funções de Presidente da República, ele poderá claramente responder em sede do Tribunal Supremo.
Agora, se compreendendo que não se trata de um crime que foi cometido no exercício de funções, o que vai acontecer é que a PGR terá de submeter esse expediente a um Tribunal Judicial comum e Daniel Chapo poderá responder, na verdade, após terminar as funções de Presidente da República. É o que determina a lei moçambicana, feliz ou infelizmente.
DW África: Venâncio Mondlane foi chamado à PGR e em declarações o próprio disse na segunda-feira (10.03) ter poucas expectativas quanto ao processo e acusou também a PGR de ser uma instituição parcial. Quais são as suas expectativas referentes a este processo?
IM: Muitos moçambicanos estão céticos em relação a como é que a PGR poderá gerir esse dossier. Mas, em nome do Estado de Direito em Moçambique, é preciso que a PGR tome este processo de forma independente, de forma autónoma, mas também, acima de tudo, de forma responsável. Porque trata-se de uma figura que tem um conjunto de seguidores, é uma figura que, de alguma forma, é incontornável na política moçambicana nos últimos tempos, que tem o poder de mobilizar massas.
Ou seja, uma gestão deste processo pode criar uma situação de agudizar a tensão política que nós encontramos neste momento. Portanto, penso eu que a PGR deverá fazer isso. Mas porque se trata de uma instituição que está capturada pelo poder político da FRELIMO, pode acontecer que, de alguma forma, o processo seja gerido politicamente e isso pode, de alguma forma, desencadear no agudizar da tensão política que nós verificámos nos últimos tempos.