Jornalismo enfrenta "uma verdadeira guerra" em Moçambique
9 de abril de 2025Fazer jornalismo investigativo de interesse público continua a ser uma tarefa marcada por desafios e inseguranças, sobretudo fora de Maputo. É o que revela um estudo que faz uma avaliação dos média em Moçambique e que foi apresentado, esta quarta-feira, na capital moçambicana.
De acordo com a investigação, Cabo Delgado destaca-se como o local mais hostil para os profissionais da comunicação social.
Os pesquisadores Lucca Bussotti, Laura António e Armando Nhantumbo classificam o ambiente na província palco de ataques terroristas como de "insegurança extrema" para os jornalistas.
Segundo Armando Nhantumbo, devido ao conflito que assola aquela província nortenha, assiste-se a "uma verdadeira guerra contra o jornalismo".
"Criou-se um ambiente de forte hostilidade aos média, porque o Governo não queria que os órgãos de comunicação social reportassem os acontecimentos no terreno, especialmente quando estava em desvantagem. Cabo Delgado tornou-se um território proibido para os jornalistas", acrescentou Nhantumbo.
Para além do contexto do conflito armado no norte do país, os períodos eleitorais também são momentos críticos para a liberdade de imprensa, o que torna o trabalho jornalístico ainda mais arriscado, denunciam os autores do estudo.
A pesquisa revela ainda uma tendência preocupante de aprovação de leis e políticas que limitam o exercício do jornalismo livre e independente. Segundo os autores, este processo tem sido progressivo e contribui para o enfraquecimento da imprensa como pilar da democracia.
Jornalistas vistos como "inimigos"
Para o pesquisador Lucca Bussotti, os jornalistas de investigação são frequentemente vistos como "inimigos" por agentes políticos e económicos, o que resulta em diversos tipos de intimidação.
"Há um mecanismo que chamamos de 'zona cinzenta', em que se negoceia o conteúdo noticioso com os visados. Usam-se ameaças, compensações monetárias e outros meios para silenciar matérias sensíveis", denuncia Bussotti.
O estudo destaca que os jornalistas das rádios comunitárias locais são os que mais sofrem com estas pressões. O encerramento arbitrário de algumas dessas estações, especialmente em zonas rurais, é uma prática recorrente quando as autoridades se sentem incomodadas com a linha editorial.
A investigação levanta também preocupações relacionadas com o papel das mulheres nas redações, apontando para um ambiente de trabalho sensível e excludente para as jornalistas.
"As mulheres acabam confinadas a programas de pouco valor editorial. Temas como política ou eleições raramente lhes são atribuídos, por serem considerados de maior relevância", denuncia Laura António, coautora do estudo.
Detenções arbitrárias e desaparecimentos forçados são outras situações que revelam um cenário preocupante para a liberdade de imprensa em Moçambique, particularmente fora da capital, onde a ausência de visibilidade e proteção institucional agrava ainda mais a vulnerabilidade dos jornalistas.