Integração dos imigrantes: "Este planeta é de todos nós!"
19 de fevereiro de 2025Paulino Miguel acaba de ser galardoado com a medalha de mérito da República Federal da Alemanha atribuída pelo Presidente do país, Frank-Walter Steinmeier. A distinção, feita na última semana, é fruto da sua entrega abnegada pela integração dos migrantes na Alemanha.
Entrevistado pela DW, Paulino Miguel, que vive há cerca de 40 anos na Alemanha, assegura que o prémio só lhe dá mais gás para continuar a sua causa, tendo sublinhado que não se deixará intimidar pela ascensão da extrema-direita anti-migração.
Miguel, que começou a sua causa na década de 90, diz que o período mais duro contra os migrantes foi depois da queda do muro de Berlim, em que chegaram a ser violentados. O moçambicano que trabalha no Fórum das Culturas em Estugarda, desvaloriza qualquer tipo de fronteira e diz que "este planeta é de todos nós!"
Numa altura em que o sentimento anti-migração cresce na Alemanha e na Europa, Paulino Miguel, com mestrado e especialista em assuntos sobre crianças-soldado, promete continuar a bater-se pela defesa dos diretos humanos do migrante.
DW África: Foi galardoado pelo seu trabalho em prol dos migrantes. Que peso tem esse prémio numa altura em que o sentimento anti-migração cresce na Alemanha e na Europa?
Paulino Miguel (PM): Para mim foi uma grande honra ter recebido esse prémio. Foi o reconhecimento do meu trabalho, mas também é o reconhecimento de uma sociedade que viu que nem todos os imigrantes são criminosos como eles andam a adiantar. Muitas coisas que se fala sobre os imigrantes estão erradas.
Recebi esse prémio para mostrar que os imigrantes têm um impacto nesta sociedade. Esta sociedade não pode sobreviver sem os imigrantes. Assumimos um papel muitíssimo importante nesta sociedade. E eu sou daqueles que sempre avisou os ministérios, a sociedade civil, que chegou junto dos parlamentos para dizer que devem respeitar o trabalho de imigrantes.
DW África: A integração é um tema candente aqui na Alemanha. Qual foi para si o período mais duro em matéria de integração?
PM: Para mim, o período mais duro foi a reunificação da Alemanha. Porque foi o tempo em que houve os primeiros gritos [contra] os estrangeiros. Saber que estás a viver num país em que todo o pessoal quer te ver fora daqui. De uma causa que você achou que no passado estava a fazer tudo melhor para, de hoje para amanhã, te dizerem que "não gostamos de ti”.
Mas também foi a partir daí que vi a necessidade de mostrar a cara. De dizer "comigo não [porque] eu sou ser humano. Esses que você quer expulsar são humanos”. Para nós chegarmos aqui não vos agredimos, foi uma necessidade. Alguns vieram por causa de um contrato, outros porque são vocês que aliciaram para virem aqui, porque vocês precisavam dos trabalhadores moçambicanos, angolanos, etc..
É o momento de haver respeito [em relação à] nossa causa. Não somos nós que devemos agradecer, eles é que devem agradecer, porque todo esse grupo [de imigrantes] deu um contributo para o desenvolvimento da Alemanha.
DW África: Nesta nova vaga de migração, o que há a dizer em relação aos moçambicanos? A tendência de migração para a Alemanha é crescente?
PM: Sim, os moçambicanos sempre quiseram vir para aqui. Por exemplo, muitos daqueles que já estiveram aqui têm boas experiências. Mas acho que é muitíssimo difícil vir de novo para a Alemanha.
Há muitos moçambicanos que têm crianças lá [em Moçambique] que gostariam de estudar no país onde o seu pai viveu. Mas acho que a sociedade alemã não está muito aberta connosco. Dificulta, por exemplo, a entrada de moçambicanos.
Desde que estou aqui, quando encontro muitos moçambicanos, são sempre os dos anos 80. De vez em quando nas universidades ou no sítio de trabalho ou nos programas [sociais], tenho encontrado um ou dois moçambicanos, mas não são muitos. É um pouco triste que não deixam essa circulação livre para moçambicanos. Porque os moçambicanos têm muita coisa a dar.
DW África: E como é que é trabalhar num contexto em que a extrema-direita está em ascensão?
PM: É muito difícil trabalhar nesse [contexto], porque alguns programas que abrangem, por exemplo, o meu ramo, estão na lista de serem cortados para não receber apoio económico. Muitas coisas querem cortar. Mas vejo a importância de continuar, mais do que nunca, esse trabalho.
O planeta Terra é de todos nós. Então, o dito "direitos humanos” para mim é igual. Então, vou lutar mais do que nunca.
DW África: Uma política migratória mais rígida, como pretendem muitos políticos alemães em nome da estabilidade local, é necessária?
PM: Não. Não é necessária porque a Alemanha tem leis fortes, tem uma democracia que consegue se defender. Se fica um criminoso pode ir ao tribunal. Os tribunais são responsáveis para tal. Uma pessoa ilegal tem a migração que pode [resolver o seu caso]. Então, não precisamos de lei rígida. A Alemanha tem estabilidade. E a instabilidade que eles estão a ter não é provocada por estrangeiros.