Guiné-Bissau: Era uma vez um Presidente Aéreo...
28 de fevereiro de 2025Passa mais tempo no ar do que na terra, uma hipérbole que os guineenses repetem para censurar as vezes sem conta que o Presidente da República se ausenta do país. Há quem fale em mais de 300 viagens para o exterior durante o seu consulado, 200 das quais privadas.
Só que não é o espírito de pássaro de Umaro Sissoco Embaló que mais ofende, mas sim a fatura debitada ao povo que vive com o cinto apertado, à sua revelia, acusa Pedro Jandim, presidente da comissão política do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) na Alemanha.
"Para chegarmos onde chegámos hoje, é um retrocesso incalculável, ao ponto de termos um Presidente que nunca parou no país, fez tantas viagens à custa do povo. Todo o mundo sabe. Então, como ele poderia estar a prestar um serviço público sendo um Presidente da República? Não teve tempo, estando sempre a viajar à custa do povo, sem dinheiro. Temos hospitais sem nada, as escolas não funcionam, as estradas por fazer, tudo por fazer", critica.
Duas semanas é o máximo que permanece em terra, estimam os críticos. Quando censurado pelos excessivos voos, quase sempre em jatos privados, Sissoco justificou que eram patrocinados pelos seus amigos.
Espanto surge quando recentemente a conta foi debitada ao Estado, comprovando supostamente o que os seus detratores dizem, que seria um "mentiroso compulsivo".
Prestação de contas para quando?
Há como exigir prestação de contas ou responsabilização pelo seu comportamento? O analista Fransual Dias não acredita que seja para já.
"Mais do que isso, temos visto a publicação de faturas que ultrapassam de longe o preço normal do frete de avião, o que assusta. Como são viagens que não são acompanhadas, [dificulta] a responsabilização. Mas estamos em crer que, mais cedo ou mais tarde, haverá uma responsabilização para se saber o quanto foram onerososas essas viagens", afirma.
"Neste momento não há como responsabilizar, porque [os tribunais] funcionam à base dos interesses do Presidente da República. Mas mais tarde poderá ser aferida não só a questão da responsabilidade político-social, mas se lhe poderão ser imputados crimes como o de gestão de administração danosa e abusiva, peculato e prevaricação", espera o analista.
Vezes houve em que o chefe de Estado também viajou sobre asas alheias, como por exemplo do ex-Presidente do Senegal, Macky Sall. Mas internamente, Sissoco pareceu-se mais com uma avestruz, uma ave que não voa, preferindo enterrar a cabeça na areia, inclusive para outras reivindicações político-sociais, acusam os críticos. Terá feito apenas cerca de 10 viagens, seis das quais a Gabú, o seu reduto natural. Porquê?
"Acho que o Presidente privilegia mais dialogar com parceiros internacionais e promover a sua imagem lá fora", considera Fransual Dias. "Rejeita categoricamente dialogar com partidos políticos. Parece que o Presidente não se sente responsável pelo que se passa na Guiné-Bissau. Ele apenas está decidido em continuar com a sua agenda pessoal", conclui o analista.
Um "Ícaro moderno"
À boca pequena diz-se que Sissoco nunca escondeu que adora andar de avião, uma espécie de Ícaro moderno. Mas que resultado trouxe o incessante 'bater de asas' para a Guiné-Bissau? Mais reconhecimento para o país na arena internacional?
"Não há uma explicação cabal entre os resultados dessas viagens com a política externa do país. Nós não sabemos. O Governo deveria fazer um balanço, apresentar o quadro do aproveitamento dos vários acordos, apresentar a maximização desses acordos", responde Fransual Dias.
"Só temos conhecimento de formações que os militares afetos à Presidência têm feito no exterior: na Rússia, Congo, Ruanda... Como se o Presidente da República se interessasse apenas pelas Forças de Defesa e Segurança quando a Guiné-Bissau já tem isso garantido. Vimos também algumas ruas, com os nomes dos Presidentes do Senegal, da Nigéria e do Congo, que foram alcatroadas", recorda.
E por estas alturas de fim de mandato, no regresso da sua última visita de Estado, que foi para a Rússia, espera-se de Umaro Sissoco Embaló um voo rasante. Finalmente deverá Sissoco parar de fazer inveja ao andorinhão preto, que pelo menos fazia pausas migratórias? Poderá haver tempos de hibernação à vista.