"Golpe na liberdade": Indignação com cortes de Trump na VOA
18 de março de 2025Foi assim que Stephen Capus, diretor da estação Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade (RFE/RL), descreveu a recente decisão da administração Trump: "Os aiatolás iranianos, os líderes comunistas chineses e os autocratas em Moscovo e Minsk celebrarão o declínio da RFE/RL após 75 anos de existência."
A declaração surge na sequência de uma ordem executiva da Casa Branca, datada de 14 de março, com o título "Continuação da redução da burocracia federal".
O documento menciona oito agências que deverão reduzir as suas operações e pessoal ao mínimo. Entre elas, a United States Agency for Global Media (USAGM), responsável pelos meios de comunicação financiados pelo Governo dos EUA para o estrangeiro.
Esta agência gere, entre outros, a estação Voz da América (VOA) e financia rádios formalmente independentes, como a RFE/RL e a Rádio Ásia Livre. Agora, todas estão em risco de encerramento.
"Duro golpe à liberdade de imprensa"
O fim dos mais de 60 programas de rádio em diferentes línguas poderá afetar milhões de pessoas, especialmente em países onde governos autoritários restringem a liberdade de imprensa nacional.
"É um golpe severo para a liberdade de imprensa", afirmou Maren Pfalzgraf, responsável por temas da América do Norte e do Sul na secção alemã da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), em entrevista à DW.
Uma voz desconfortável fica em silêncio
O impacto da decisão pode ser ilustrado com o exemplo do Zimbabué. O país ocupa a 116ª posição no ranking da liberdade de imprensa elaborado pela RSF, devido à vigilância arbitrária das telecomunicações, à difamação da oposição na televisão estatal e à detenção frequente de jornalistas independentes.
Ainda assim, neste contexto difícil, a VOA transmitia em três das principais línguas faladas no país: inglês, shona e ndebele.
Um jornalista zimbabueano, que trabalhava sobretudo para a VOA, disse à DW: "Os meios de comunicação controlados pelo Governo ignoravam temas como direitos humanos e corrupção. Durante o fim de semana, nas redes sociais, representantes e apoiantes do Governo comemoraram a notícia. Isso diz tudo sobre a importância que a VOA tinha até agora."
Outra visão sobre a VOA
Como complemento à ordem executiva, a Casa Branca divulgou um comunicado com o título irónico "A Voz da América Radical", acusando a VOA de promover propaganda e garantindo que "os contribuintes norte-americanos deixarão de ter de financiar conteúdos radicais".
O tom do comunicado ecoa declarações anteriores de Elon Musk, conselheiro de Trump para a desregulamentação, que em fevereiro acusou a VOA e a RFE/RL de serem "radicais de esquerda que falam sozinhos enquanto queimam milhares de milhões de dólares dos contribuintes americanos".
Maren Pfalzgraf, da RSF, também destaca a posição de Kari Lake, enviada especial da United States Agency for Global Media, sob a administração de Trump.
"Ela tweetou que quer difundir as conquistas da América, o que sugere uma intenção de influenciar editorialmente os conteúdos para refletirem a perspetiva da administração."
Washington: indignação e demissões
Durante o fim de semana, a administração Trump suspendeu com efeito imediato mais de 1.300 funcionários da VOA.
Segundo uma jornalista asiática que trabalhava na sede da emissora em Washington, cerca de 550 jornalistas foram formalmente despedidos e, muitos deles, não sendo cidadãos americanos, terão de deixar o país ao perderem os seus vistos.
"Estou zangada, triste e profundamente preocupada com esta situação", afirmou a jornalista à DW. "Manter notícias neutras, objetivas e baseadas em factos está a tornar-se cada vez mais difícil num mundo inundado de propaganda e desinformação. Tenho orgulho em ter trabalhado com jornalistas que priorizam a verdade."
VOA na China
A Voz da América começou a emitir em 1942, inicialmente em alemão, como alternativa à rádio controlada pelo regime nazi. Com o tempo, expandiu-se para dezenas de línguas.
Durante a Guerra Fria, foi criada a RFE/RL, e, em 1996, surgiu a RádioÁsia Livre.
Chang Ping, jornalista do serviço chinês da DW, esteve envolvido nos protestos pró-democracia na China em 1989. "Lembro-me vividamente de como os estudantes se juntavam num canto do campus para ouvir a Voz da América através de altifalantes improvisados. Na altura, era a fonte de informação não censurada mais confiável, que chamava a atenção do mundo para a luta democrática na China e incentivava os protestos estudantis", recorda Chang.
Os protestos acabaram por ser brutalmente reprimidos, e qualquer memória das vítimas foi sistematicamente apagada pelo Governo chinês.
"Jornalistas independentes chineses, advogados de direitos humanos, tibetanos, uigures, mongóis e outros ativistas foram, de alguma forma, apoiados pela Voz da América e pela Rádio Ásia Livre", acrescenta Chang. "Desde que Xi Jinping chegou ao poder, a situação dos média na China deteriorou-se, tornando estas fontes de informação ainda mais valiosas."
UE poderá salvar a Rádio Europa Livre?
A VOA integra a aliança internacional de média públicos DG8, da qual faz parte a Deutsche Welle (DW). Peter Limbourg, diretor-geral da DW, afirmou, numa conferência de imprensa de emergência, que a decisão da administração Trump "enfraquece a liberdade e fortalece a autocracia".
"A experiência dos nossos colegas na Europa mostra que, quando se cria um vazio, chineses e russos ocupam esse espaço, o que é preocupante. Acredito que a Europa deve agir com urgência", alertou Limbourg.
A possibilidade de a União Europeia intervir no financiamento da RFE/RL foi levantada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da República Checa, Jan Lipavský, que pretende mobilizar apoio dentro da UE para garantir a continuidade do serviço.